O dono do Pinheiro e Bracuhy

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  Fazenda do Pinheiro - Visita de Agassiz em 1865.
 

Jean Louis Rodolphe Agassis, naturalista suiço, visitou o Brasil em 1865, indo do Pará ao Rio de Janeiro. Coletou inúmeras espécies de animais e vegetais, que hoje fazem parte do Museu de História Natural em Geneve - Suiça. Abaixo o seu relato de viagem, quando visitou a fazenda do Pinheiro do Comendador José de Souza Breves.

Louis Agassiz. From: Sarah K. Bolton: Famous Men of Science (New York, 1889). A Temple of Worthies.  
   
 

São José do Pinheiro, 14 de julho de 1865

Acabo de passar dois ou três dias da semana muito agradavelmente. Alguns amigos me decidiram a visitar juntamente com eles uma das maiores fazendas da vizinhança do Rio, propriedade do Comendador Souza Breves (José de Souza Breves, irmão do "rei do café"). Em quatro horas, a Estrada de Ferro Dom Pedro II nos leva à Barra do Piraí; depois continuamos mansamente nossa caminhada, montados em burros, ao longo das margens do Paraíba, através de uma paisagem calma e muito linda, menos pitoresca entretanto que a que cerca o Rio. Ao por do sol chegamos à fazenda situada numa esplanada que domina o rio e donde se abrange encantadora perspectiva de águas e florestas. 

Acolhem-nos com uma hospitalidade que dificilmente, penso, encontrará equivalente fora do Brasil. Não se pergunta quem sois, donde vindes, e abrem-vos todas as portas. Desta vez éramos esperados; mas não é menos verdadeiro que, nessas fazendas onde há lugar à mesa para cem pessoas, se necessário for, todo viajante que passe é livre de parar para ter pouso e refeição. Vimos vários desses hóspedes de passagem: um casal, entre outros, absolutamente desconhecidos dos donos da casa, que ficara por uma noite, mas que a doença tinha surpreendido antes da partida, prolongava a sua estada havia perto de uma semana; essas pessoas pareciam estar inteiramente em sua casa. Contam-se nesta propriedade cêrca de dois mil escravos, dos quais uns trinta são empregados no serviço doméstico. 

Fazenda do Pinheiro - Pinheiral, RJ

A habitação encerra tudo o que é necessário às exigências duma população tão numerosa: há farmácia e hospital, cozinhas para os hóspedes e para os negros, uma capela, um padre, um médico. A capela é um pequeno oratório somente aberto para as cerimônias e adornado com muita elegância, com vasos de ouro e de prata, tendo uma toalha de altar em seda vermelha, etc.. 

Situa-se na extremidade de uma sala muito comprida, que, embora utilizada para os misteres, torna-se, durante as missas o ponto de reunião de todos os habitantes da fazenda. A dona da casa nos levou a visitar, certa manhã os diversos locais de trabalho. O que mais nos interessou foi a sala em que as meninas aprendem costura. Admiro-me que não se tenha cuidado mais, nas nossa plantações do Sul, em tornar as prêtas um pouco hábeis nesse mister. Aqui todas as meninas aprendem a costurar muito bem e muitas delas bordam e fazem rendas com perfeição. Em frente a essa sala, vimos uma oficina de roupas, que pareceu bastante semelhante à nossos "sanitary rooms" (grandes oficinas improvisadas, durante a guerra, pelas senhoras norte-americanas, para a confecção de roupas, etc., destinadas aos doentes - Nota da tradução francesa), com suas peças de lã ou de algodão, que as negras cortavam e costuravam para os trabalhadores do campo. 

As cozinhas, as oficinas e os quartos dos negros circundam um terreiro espaçoso plantado de árvores e de arbustos, em volta do qual há uma passagem coberta, calçada de tijolos. Aí os prêtos, jovens e velhos, pareciam um formigueiro; desde a velha ressequida que se gabava de ter cem anos, mas não mostrava com menor orgulho seu fino trabalho de renda e corria como menina para que se visse como era ainda ativa, até os garotinhos, todos nus, que engatinhavam a seus pés. Esta velha recebera a sua liberdade havia muito tempo, mas, por dedicação à família dos antigos senhores, nunca a quis deixar. São fatos que dão à escravidão no Brasil uma fisionomia consoladora e permitem esperar muita coisa. A emancipação geral é aqui considerada como um tema para discutir, o regular por lei a ser adotado. Fazer presente a um escravo da sua liberdade nada tem de extraordinário.



À noite, quando depois do jantar tomávamos o café na varanda, uma orquestra composta de escravos (Banda do Pinheiro, onde tocavam os escravos Bruno, Bevenuto, Brás, entre outros) pertencentes à fazenda nos proporcionou boa música. A paixão dos negros por essa arte é fato notado em toda parte; esforçam-se muito aqui para aprendê-la, e o Sr. Breves mantém em sua casa um professor a quem os alunos na verdade, fazem honra. 

No fim da noite os músicos foram introduzidos nas salas e tivemos um espetáculo de dança, dado por negrinhos que eram dos mais cômicos. Como diabretes, dançavam com tal rapidez de movimentos, com tal impulso de vida e alegria espontânea, que era impossível não os acompanhar. Enquanto durou o baile, portas e janelas se achavam obstruídas por uma nuvem de vultos prêtos, no meio do qual se destacavam aqui e ali uns rostos quase brancos, pois aqui, como em toda parte, a escravidão acarreta suas fatais e deploráveis consequências, e escravos brancos não são raridade extraordinária

 
  Ref.: AGASSIZ, Louis e Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil, 1865-1866.
 
     
 

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