Comendador Joaquim
José de Souza Breves (1804-1889)
Retrato, coleção
IHGB-RJ
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Joaquim José de Souza Breves
O rei do café
por Dilma Andrade de
Paula, Mestra em História Social (IFCS/UFRJ), Doutoranda
em História Social pelo ICHF/UFF.
Em 30/09/1889, mais
de um ano após a libertação dos escravos no Brasil, morria, na
Fazenda de São Joaquim da Gramma, Passa Três, o Comendador
Breves. Foi enterrado, à noite, na Capela que ele mesmo mandara
edificar. No seu testamento, ele exigia um enterro o mais simples
possível, proibindo galões dourados ou de prata no caixão. Foi
sepultado com a mesma roupa preta com que sempre andava. Figura
ainda hoje meio lendária, o Comendador Joaquim José de Souza
Breves, na sua época conhecido como o "rei do café",
acumulou uma incrível fortuna em meados do século XIX. Construiu
a Fazenda da Gramma e lá estabeleceu a sede dos seus domínios.
Sua fortuna, todavia, não resistiu à geração seguinte.
As origens da
família Breves no Brasil remontam a Antonio de Souza Breves,
descendente de François Savary, Conde de Brèves, embaixador
francês de Henrique IV em Constantinopla (1560 -
1628). Um dos seus filhos emigrou no século XVII para os Açores.
Antonio, estabeleceu-se
num local perto de uma cachoeira, daí ficando conhecido como
"Antonio da Cachoeira". Seu filho, José de Souza
Breves, era proprietário da Fazenda Manga Larga, às margens do
rio Piraí. Colocou-se às ordens das autoridades locais para
expulsar os Puris da região. Recebeu, em troca, a patente de
Capitão-Mor e o comando das milícias de Resende e arredores,
reforçando o seu poder. O Capitão José de Souza Breves casou-se
com Maria Pimenta de Almeida, brasileira, da Ilha Grande. Tiveram
5 filhos, dos quais Joaquim Breves, que se tornaria o mais famoso
deles.
Joaquim Breves foi
formando sua fortuna através da compra de fazendas, herança e do
casamento com Maria Isabel de Moraes, filha do Barão de Piraí
(José Gonçalves de Moraes, que também era seu sobrinho). Não
existe, ainda, um levantamento sistemático de todas as suas
propriedades, mas são estimadas num total aproximado de 30
fazendas, chegando a ter o fantástico número de 6 mil escravos
no total. Foi um dos maiores, senão o maior, escravagista do
século XIX no Brasil. Durante o I Reinado, Joaquim Breves
tornou-se membro da Guarda Nacional e, como recompensa pela sua
fidelidade ao Imperador D. Pedro I, também adquiriu o título de
Comendador da Ordem da Rosa, um dos vários títulos honoríficos
da Coroa. A partir daí ficou conhecido como "Comendador
Breves".
Cada uma das 30
fazendas comportava as plantações e estrutura para
beneficiamento parcial do café; terras extensivas e trabalhadores
escravos, na sua maioria. Algumas também tinham moinhos,
serrarias, engenho de açúcar, capelas, estradas e pontes
próprias, hospedaria etc. Suas terras se estendiam pelos atuais
municípios de Mangaratiba, Resende, Barra Mansa, Rio Claro e
pelos municípios paulistas de Bananal e Areias. Dizia-se, na
época, que podia-se ir do oceano até Minas Gerais sem sair das
terras do Breves.
A produção de
café era compatível com a extensão de suas terras. De 1840 a
1889 a região de São João Marcos e Rio Claro produziu uma
média anual de 383 mil arrobas de café, com cerca de 153
produtores. Desses, 26% ou 100 mil arrobas eram produzidos pelo
Comendador. Em 1860, quando o total da produção de café no
Brasil era de 14 milhões de arrobas, somente o Comendador
produziu cerca de 200 mil arrobas, ou 1,45% do total. O único
produtor que se aproximava do seu recorde era José Joaquim
Breves, seu irmão (normalmente se confunde os dois por causa da
semelhança do nome), que produzia cerca de 100 mil arrobas.
O total de 6 mil
escravos, parece à primeira vista, exagerado. Ainda mais se
compararmos esse número com o de outra poderosa família
escravocrata e cafeeira, os Vallim, de Bananal. O também
Comendador Manuel de Aguiar Vallim tinha, por volta de 1860, um
total de 650 escravos, 710 alqueires de café, sendo, por isto, um
dos homens mais ricos deste país. No entanto, se considerarmos,
como o historiador Victor M. Filler, uma média de 200 escravos
por fazenda, dividindo-se no trabalho com o café, no trato
doméstico (no interior de grandes fazendas como era a da Gramma),
nos moinhos e serrarias, nos engenhos, nas oficinas mecânicas e
na condução da produção do café até os portos, esse número
passa a não ser assim tão impossível. Oura comparação,
segundo o mesmo Filler, é que 200 mil arrobas de café divididas
por 6 mil dão uma média de 30 arrobas por escravo, o que é
compatível com a média de outras plantações de café. De
qualquer forma, esse total, mesmo não podendo ser comprovado,
serve, no mínimo, para simbolizar as extensas propriedades e
riquezas do Comendador.
Como manter essas
propriedades em funcionamento por vários anos? O problema da
mão-de-obra era central. Na medida em que estendia suas
plantações, o Comendador Breves aumentava também a demanda por
escravos. A força de trabalho escrava não se mantinha por
crescimento natural nas grandes fazendas. Com a proibição do
tráfico de escravos, em 1850, Breves lançou-se na sua mais
famosa empresa, a de contrabandista de negros africanos,
ligando-se, permanentemente, aos maiores traficantes de escravos.
Já em 1827 a Inglaterra firmara um tratado com o Brasil,
restringindo o tráfico. Desse ano até 1852 cerca de 500 mil
africanos entraram no Brasil. Era pública e notória a atuação
do Comendador entre as principais lideranças desse comércio.
Vários navios negreiros foram apreendidos, dentre eles o Duquesa
de Bragança, capturado por autoridades britânicas que
confiscaram todo o carregamento. Outros navios escaparam da
vigilância devido a um especial esquema de despiste das
autoridades britânicas e brasileiras. Na fazenda da Marambaia, no
território de Mangaratiba, o Comendador criou um verdadeiro
entreposto para o estabelecimento de cativos que abasteciam suas
fazendas de café:
A Marambaia era
neste sentido um ponto estratégico. Ela lhe abria
completamente o domínio do mar para as comunicações com os
navios negreiros. Os escravos, saídos dos navios negreiros,
permaneciam algum tempo naquele viveiro. Reconstituíam as
forças perdidas na travessia transatlântica, retemperados
eram distribuídos pelas fazendas do alto da serra. Assim, a
Marambaia era uma estação de engorda do pessoal do eito.
Além da grande
produção de café, do tráfico ilegal de escravos, o Comendador
também influenciou, e muito, na política local e nacional. Foi,
por vários mandatos, presidente da Câmara de São João do
Príncipe; foi eleito e reeleito várias vezes juiz de paz e
vereador. Foi suplente de deputado à Assembléia Legislativa da
província do Rio de Janeiro e depois, deputado, de 1846-1847 e de
1848-1849, além de manter uma estreita relação com os círculos
do poder monárquico. Essa influência começou com a estreita
amizade com o regente D. Pedro I. Em 1822, no famoso Itinerário
da Independência, D. Pedro percorreu extensos caminhos nas
propriedades do Comendador e pernoitou na Fazenda Olaria, que, na
época, era propriedade do fazendeiro Hilário Gomes Nogueira,
mais tarde comprada por Breves. O fato de o futuro imperador
passar com sua comitiva pelas terras de Joaquim Breves era
simbólico. D. Pedro I precisava do apoio dos grandes
cafeicultores, como o era Breves, que acabou participando do
famoso "Grito do Ipiranga". Para o Comendador, esse
apoio era também fundamental, sinônimo de prestígio.
Não vamos entrar
nos meandros da política do Império, mas vale dizer que, com a
abdicação de D. Pedro I, a mudança de ventos na política
nacional levou Breves a uma posição antagônica ao governo
regencial. Esses atritos com o governo conservador deviam-se
principalmente: a) à centralização progressiva do poder,
restringindo a autonomia provincial e aumentando os impostos; b)
à legislação e aos ataques contra o contrabando de escravos. De
colaborador do governo, Breves passa a ser opositor sistemático,
enfrentando, a partir daí, muitas dificuldades relativas aos seus
negócios do tráfico. Conspirou abertamente pela volta de D.
Pedro I, chegando a planejar para a Fazenda da Gramma a sede do
quartel-general que organizaria o regresso. Não conseguindo seu
intento, integrou-se ao Partido Liberal, oposição ao governo,
liderado pelo Partido Conservador. Em 1840, os liberais
conseguiram a vitória da sua proposta de antecipação da
maioridade do imperador Pedro II: começava o Segundo Reinado. No
entanto, na formação do governo, os conservadores eram a maioria
e acabaram afastando os liberais da linha de frente. Por causa
disso, os liberais promoveram diversas revoltas localizadas em
São Paulo e Minas Gerais, províncias onde predominavam. Breves,
liberal, acabou participando dessas revoltas.
Breves acabou se
retirando da revolta liberal antes que ela fosse debelada pelo
governo Imperial. Ele próprio recordou as razões que o levaram a
tormar essa atitude: a) havia um boato de que os rebeldes matariam
alguns dos grandes fazendeiros que dessem apoio aos legalistas (do
governo). Sendo um homem de sua classe social, Breves jamais
atacaria seus pares. Seu sogro, o Barão de Piraí, e seu cunhado,
José Joaquim de Lima e Silva (irmão do Duque de Caxias, que,
dentre outros feitos, ajudou a acabar com as revoltas liberais),
eram líderes conservadores da região; b) os liberais queriam,
também, fomentar levantes de escravos nas propriedades de seus
adversários. Também aí Breves não se arriscaria em tamanha
empreitada, o que arriscaria sua própria sobrevivência e a de
suas propriedades.
As rusgas com o
governo conservador e a insistência em continuar o tráfico
ilegal de escravos renderam ao Comendador um processo que
movimentou a Corte, pois envolvia também outros grandes
cafeicultores como Manoel de Aguiar Vallim, de Bananal. A
história foi, resumidamente, a seguinte: em janeiro de 1852 foi
confirmado o desembarque de africanos no litoral sul do Rio de
Janeiro, mais precisamente no porto de Bracuhy, em Angra dos Reis,
em terras da Fazenda Santa Rita, de propriedade do Comendador
Breves. O Governo Imperial resolveu investir na repressão,
fazendo buscas nas fazendas e reforçando o policiamento nas
costas norte e sul. Os principais suspeitos foram processados,
dentre eles Breves, que foi levado a júri em Angra dos Reis.
Ainda que tenha inocentado todos os possíveis culpados, o Governo
Imperial mostrava sua autoridade e a determinação em não
permitir o tráfico. Breves escapava desse processo mas tinha, sem
dúvida, maiores limitações às suas atividades, o que aumentava
a sua ira para com o Governo Conservador.
A riqueza do
Comendador Breves estava toda investida em escravos, fazendas e
algumas propriedades na Corte, o Rio de Janeiro. Eram essas as
suas fontes de riquezas, mas também o seu ponto vulnerável, pois
o fim da escravidão levaria à completa desarticulação da
reprodução de sua fortuna. Uma das formas de manter a riqueza e
o poder seria diversificar as atividades, estratégia usada, por
exemplo, pela família Teixeira Leite, de Vassouras, que era um
dos baluartes do Partido Conservador e um dos pilares financeiros
e sociais do Império. Essa família diversificou suas atividades
econômicas para além do café e transformou Vassouras numa
cidade com traços arquitetônicos genuinamente europeus. Além
disso, na família havia juízes, advogados, parlamentares e
nobres frequentadores da Corte.
Breves era, sem
dúvida, um excelente empresário mas, ligado exclusivamente ao
café. O luxo proporcionado pelo café era todo estampado nas suas
fazendas. A principal delas, Gramma, era toda em estilo colonial,
com estatuetas, azulejos, trabalhos de talha, móveis raros,
porcelanas, pomar e jardim em volta. Lá aconteciam festas para
até 200 convidados, que podiam, inclusive, pernoitar. Falava-se o
francês com naturalidade, inclusive com as sinhazinhas. A Capela,
localizada num outeiro (hoje se vêem as ruínas) era um prédio
sóbrio e harmonioso, tinha dois corpos de sacristias laterais,
duas cúpulas, escada de caracol em ferro, soleira de cantaria,
várias imagens, peças de porcelana e valiosos quadros. A fazenda
da Confiança, herdada do Barão de Piraí, notabilizou-se por
seus jardins suspensos e suas seteiras à moda medieval. A fazenda
Conceição tinha dezenas de quartos. A fazenda Olaria, mais tarde
destruída pela Light, era cópia do palácio de Podestá de
Bréscia. Foi construída por um arquiteto vindo da Itália, ficou
sem terminar os últimos detalhes, pois D. Maria Isabel não quiz
mudar-se da Gramma. Os salões eram todos de teto estucado,
saguão trabalhado em mármore de carrara, soalho de madeira e
ampla escadaria. Na época da seca, quando a represa está em
baixa, é possível visitar as ruínas da fazenda Olaria, que
ainda guarda alguns vestígios de seu luxo arquitetônico.
O Comendador
Breves, de fato, não acreditava na abolição imediata da
escravidão. Alguns dias antes do 13/05/1888 ainda comprou
escravos. Perdeu, assim, muito dinheiro, só de investimentos em
escravos. Os trabalhadores livres existiam, mas não substituiriam
de imediato o trabalho escravo, regra nas propriedades de Breves.
Temos a notícia de uma colônia de portugueses, registrada pelo
Almanak Laemmert, refere-se à colônia existente em Passa Três,
graças aos dons "caritativos" de Breves: "(...) à
sombra, pois, da nímia bondade desse distincto cavalheiro
(mantém) essa porção de subditos portuguezes de abundancia, e
talvez alguns dentre elles de fortuna, e esta freguesia de
abundancia de generos alimentícios". Essa era, no entanto,
uma exceção. A existência dessa colônia deve-se, talvez, à
influência da Delegacia do Consulado de Portugal em São João
Marcos. Não houve outros casos da vinda de imigrantes para os
domínios do Comendador. Com a abolição, as principais fazendas
se despovoaram, os ex-escravos saíram em massa para tentar a
sorte em outros lugares.
De 250 mil arrobas de café, em
1887, Breves passou a produzir cerca de 30 mil, em 1889. Era o fim
do poderoso comendador. Com sua morte, muitas complicações
surgiram, devido às questões de herança. No inventário
surgiram propriedades das quais ninguém sabia; o espólio era, no
mínimo, muito variado. A viúva, Maria Isabel, e seus filhos
hipotecaram vários prédios em São Cristovão, no Rio de
Janeiro. Não sendo saldada a dívida, a Cia. Mercantil
Hipotecária executou a hipoteca, de 128.927$152, arrematando os
bens executados, mas ficando ainda credora de um saldo que, com a
cumulação de juros, somava, em 04/08/1903, a quantia de
99.357$719. A Companhia credora penhorou a Fazenda Boa Vista e
João Streva (na verdade Giovanni Streva, italiano, casado com uma
herdeira do Comendador) comprou o crédito, em 1904, por
25.000$000. Com a morte de D. Isabel, em 1894, João Streva
tornou-se credor do espólio, ficando com as fazendas de Olaria,
S. Joaquim da Gramma, Glória, sítios anexos e muitas outras
propriedades em Rio Claro e São João Marcos. Os outros herdeiros
"menores" logo foram vendendo e/ou abandonando as
terras. Os tempos eram outros e as dificuldades no campo se
avolumavam devido, dentre outras coisas, à desvalorização dos
imóveis rurais. Note-se que um único proprietário arrematou as
principais propriedades de Breves. Isso, em meados do século XIX,
seria impensável. Muitos dados sobre a vida do Comendador se
perderam, pois seu arquivo foi incendiado após a sua morte. Da
Capela da Gramma, os ossos de Breves e sua esposa, D. Maria
Isabel, foram transladados pelos Streva, em 1962, para o
cemitério de Barra do Piraí.
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