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Advogado, especialista em Direito Ambiental e pesquisador da História Fluminense.
"Na infância e adolescência na pequena cidade de Piraí, RJ, região serrana fluminense, cresci ouvindo as histórias contadas por minha avó e madrinha Maria Eugênia de Souza Breves. Inacreditáveis naquela época, as histórias sobre as fazendas de café, escravos, barões, riquezas e tragédias que se abateram sobre aquela região, fascinavam e despertaram a curiosidade no jovem, que aos poucos passou a se dedicar a compreender e estudar o passado familiar.
O passado ainda recente está presente no Vale cortado pelo Rio Paraíba, que atualmente chamamos de Vale do Café. O casario colonial, o barroco das igrejas, os dormentes e as antigas estações da linha férrea, o Jongo, e nos inusitados pés de café que encontramos nas matas.
Em 1996, coloquei numa incipiente Internet, num provedor em português dos Açores, o sítio digital intitulado de "História do Café no Brasil Imperial". Hoje, o BrevesCafé é um sítio digital com farto acervo à disposição de todos. Feito com carinho, ampliado e revisado, pois é árdua a tarefa em tratar da melhor forma possível o registro de uma época.
Desejo aos navegantes digitais uma boa viagem pelo Vale do Café.
Um abraço do autor.

Aloysio Clemente Breves | Mapa de Cultura RJ

O tempo dos Breves

  As janelas e portas da casa grande da fazenda Mangalarga se abriram naquele oito de janeiro de 1845. Aos noventa e sete anos, o capitão-mór José de Souza Breves estava morto. A notícia corre pela vizinhança. Do Arrozal ao Piraí, e do Piraí ao Rio de Janeiro. Começam os preparativos para o funeral. Alguém se lembra que é preciso tirar um retrato do morto. Um cavaleiro rápido se dirige ao Rio de Janeiro para buscar o pintor. O velho é vestido com sua farda de dragão imperial e colocado sentado numa cadeira de braços. Agora ele pode esperar.
O pintor leva 2 dias para chegar à Mangalarga. Quando vão colocá-lo na urna, deparam com a impossibilidade de fazê-lo. Não há outra opção senão enterrá-lo sentado. E assim foi feito, no cemitério do Arrozal de Piraí. Depois da construção da capela mortuária de Santa Rita, seu filho José Breves transferiu seus despojos para o interior do templo e colocou uma placa.
O retrato assinado por Julien Chevrell está no Museu Imperial de Petrópolis. É uma tela impressionante. Nela se vê o capitão-mór José de Souza Breves, com sua farda e ao fundo uma alegoria com o Pão de Açúcar, representando o Rio de Janeiro. O que mais impressiona são seus olhos - levemente cerrados, azuis e frios. São os olhos de um cadáver.
Parece macabro! Não é. Assim começa o "tempo dos Breves", expressão cunhada por Hebe Mattos, da UFF. Uma família peculiar de cafeicultores, de personagens reais como o rei do café no Brasil Imperial - o comendador Joaquim Breves - e outros de menor destaque. Foram chamados de "Graúdos" e "miúdos" em função de suas terras e escravos. Ilhas, navios, latifúndios gigantescos, fazendas e solares que mais pareciam cidades, esquisitices, e a fantástica produção de café extraída pela não menos surpreendente quantidade de escravos. Seis mil, dez mil, são os números, que podem ultrapassar os doze mil se computarmos os parentes fazendeiros.
E por falar em parentescos e consanguinidade a curiosidade ainda é maior. Por exemplo: o comendador Joaquim Breves era casado com sua sobrinha; portanto, era tio de sua mulher, irmão de sua sogra e cunhado de seu sogro.
A história do Vale do Paraíba é rica e fantástica ao mesmo tempo. Com o café o Vale foi berço e sustentou a riqueza nacional por algumas décadas no Império Brasileiro. Ondas verdes em curvas pelas meias-laranjas do altiplano fluminense, o café se alastrava formando vilas e cidades em redor de fazendas.
Os Souza Breves foram pioneiros e os maiores produtores. De sesmarias de terras doadas, entre 1750 e 1784, aos primeiros Breves que subiram a serra de São João Marcos, até a Abolição da Escravatura, essa família dominou a produção, comprando terras e traficando escravos. Do mar fluminense até as Minas Gerais, o comendador Joaquim José de Souza Breves nascido em 1804, foi a figura mais polêmica e poderosa de todos eles.
Apelidado de "Rei do Café" por seus pares, dono de um poderio feudal, sozinho chegou a possuir mais de 6.000 escravos, número que poderia dobrar se juntarmos as propriedades e plantel de seu irmão e outros parentes.
Da Marambaia no Rio de Janeiro até o Piumbí na serra de Minas, dizia o velho comendador, que podia ir sem pisar em terra alheia. Em seu inventário foram arroladas mais de 90 popriedades, atestando sua fortuna e poderio. Possuía navios e gozava da amizade de Pedro I, tendo participado do Grito do Ipiranga.
Taunay, Griecco, Zaluar, Ternaux-Compans, Agassiz e Assis Chateaubriand - viajantes estrangeiros e escritores - foram pródigos em elogios ao potentado do café. Muito pouco ou quase nada restou do império construído com o chicote e o tráfico de africanos. Com a Abolição e a derrocada do café, as propriedades viram sua produção cair ao zero, restando casarões abandonados, advogados, e bancos se movimentando para ressarcir prejuízos.
Com o advento das festividades dos Quinhentos anos do Brasil a História brasileira ganhou novo impulso. A História passou a ser contada e escrita sob a ótica da verdade, e passamos a excluir a retórica oficial. Livros, publicações, teses, ou seja, uma enxurrada de material foi colocado à disposição de leitores ávidos para conhecer a verdadeira história do país. Bibliotecas e acervos importantes foram digitalizadas; uma corrida aos arquivos federais, estaduais e municipais; estudantes e a Universidade estiveram na linha de frente deste processo.
O patrimônio histórico material e imaterial passou a ser tratado com outros olhos. Festivais importantes demonstraram ao antigo Vale do Café que a economia pífia resultante da degradação de terras onde prosperava a monocultura da rubiácea, podia ser substituída pelo Turismo. Parques foram criados, fazendas centenárias se transformaram em hotéis, com teatros, danças e folguedos para encanto de viajantes.
Música sacra em fazendas históricas; apresentação de cortejos populares de danças e sons africanos; programação regular de eventos culturais; saraus e teatros, etc. Tudo isso fez renascer o Vale do Café: com o tombamento de inúmeros imóveis, restauração de monumentos importantes, políticas acertadas para o turismo histórico, proteção ao meio ambiente, convênios com organismos e instituições voltadas para o desenvolvimento cultural, e a saudável impregnação da mentalidade da preservação do patrimônio histórico, científico e cultural nas populações do vale.
O sítio digital BrevesCafé é um projeto permanente de divulgação da história do café, da família Breves e do acervo importante que ainda permanece no Vale do Café Fluminense. Bom passeio pelas páginas da história da antiga província do Rio de Janeiro.

 

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