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Fazenda Sans Souci

Por Luís Augusto Carsalade Villela de Lima

 

Fazenda de Sans Souci, em Leopoldina, Minas Gerais, onde se casaram meu bisavô Augusto de Lima e minha bisavó Vera, dias depois da abolição da escravatura, em 22 de junho de 1888, dia do aniversário dela de 18 anos. Assim o 22 de junho tornou-se a data máxima das comemorações da família. Ela guardara a vela do bolo de casamento e a ascendia todos os anos na hora do Parabéns. Como morreu octogenária, no último ano - 1958 - a vela quase não existia e, pífia, bruxuleou e apagou-se de vez, sob os olhares silenciosos dos presentes... Ela gostava de contar que, após a cerimônia, o casal foi à senzala, ainda em festas por causa da abolição, onde foram homenageados com um batuque que ela fazia questão de dançar, entrada em anos e adiantada em quilos! Em manuscrito conservado pelo meu primo Luiz Octávio, lembra-se assim dessa Fazenda de Sans Souci, que ficaria famosa na família:  

"Leopoldina em 1886 era uma cidade onde famílias conviviam estreitamente, trocando idéias adiantadas sobre arte em geral e, sobretudo, sobre música. Dançava-se muito.

Havia no perímetro urbano 21 homens formados. Advogados, médicos, engenheiros. Canuto de Figueiredo, juiz de Direito, Augusto de Lima, juiz Municipal, José Maria Vaz Pinto, promotor, Pestana de Aguiar, Paula Ramos, Carvalho Rezende, Eduardo Magalhães, Gabriel Magalhães, Aristides Almeida. Francisco C. Fernandes, Christovam Malta Garcia e Octávio Ottoni, este último médico de nomeada e amigo íntimo, companheiro de casa de Augusto de Lima.

Vera de Suckow e Antônio Augusto de Lima, 1888. Coleção Luís Augusto de Lima.

 

Dr. Gustavo de Suckow, fazendeiro, proprietário da célebre fazenda Sans-Souci, chamada o” bijou da mata” ia freqüentes vezes à cidade com a família: a senhora e duas filhas moças. Mal chegavam com a caleça e logo se improvisava uma soirée, para a qual era indispensável a presença das moças.

O Octavio Ottoni, era baixo e gordo, contrastando fisicamente com Augusto de Lima, que era alto e magro. O Dr. Suckow, muito amigo de ambos, deu a um o apelido de D. Quixote e ao outro o de Sancho Pança. E como Augusto de Lima possuía um cavalo castanho para suas excursões  a Sans-Souci, foi este chamado Rocinante.

O Natal em Sans-Souci era tradicional. Pessoas da Corte iam gozar de uns dias de férias, desde o Natal até o Ano Bom. Homens de imprensa, políticos, artistas, eram recebidos e hospedados fidalgamente. Os perus, carneiros, etc, faziam as delícias culinárias e a adega era afamada. Tudo o que havia de fino em bebidas, até os famosos vinhos  raji e tokay, fazia as delícias dos hóspedes.

O sol já invadia a sala e os pares ainda giravam na valsa estonteadora. Depois, ia-se para o pomar, comer frutas, pêssegos, mangas, uvas, e as bandejas de prata traziam o delicioso café para as mesas debaixo das árvores. Depois do café, cada qual se recolhia, até a hora do almoço. Durante o dia, jogava-se cartas, prendas, enfim, descansava-se, para de noite recomeçar as danças. As ceias eram famosas!".

Esses requintes de mesa são confirmados na carta-prefácio do célebre livro de receitas Rosa Maria, cuja autora, dirigindo-se à filha, recomenda-lhe uma série de receitas copiadas de um caderno deixado pelo Conde Fé d'Ostiani, Ministro da Itália e de outras de "tia Ritinha", nada mais, nada menos que D. Rita Clara Monteiro de Barros de Suckow, a grande hostess de Sans-Souci (onde havia inclusive uma banda de músicos-escravos para brilho das festas e das corridas de cavalo).

Nesta foto do tio Liminha (Augusto de Lima Junior), em 1948, a fazenda está verdadeiramente sans souci, com aspecto abandonado, mato crescido... No tempo do Dr. Gustavo de Suckow era uma beleza – havia um lago onde singravam cisnes e um roseiral com mudas que vinham de Versalhes - como se lembra nossa bisavó nesses versos que estão no livro de tio Pequetito (José Augusto de Lima) autor da biografia Augusto de Lima, Seu Tempo, Seus Ideais (Ministério da Educação e Cultura, 1959):

 

Sans Souci

Vejo-te em sonho, minha estância amiga,   

onde vivi meus dias mais felizes                        

à luz de um céu de anil, sob um sol de ouro,

ouvindo os gritos dos anuns travessos

no campo verde, à margem da corrente...

Que é feito dessa graça, desse encanto

que a saudade embeleza e ressuscita,

Sans-Souci, Sans-Souci!

Na varanda, estendida frente a frente,

trepadeiras azuis, entrelaçadas,

balançando-se á brisa, como as asas

de leves borboletas...

Bandos de pombos recortando os ares,

enchendo e colorindo a limpidez

das tardes cristalinas, transparentes...

Cor de rosa, florido bougainville

debruçado no lago de águas quietas

que, altivo, o cisne branco vai sulcando...

Cachos de ouro de velho ouricori,

beijados pela aragem...

Lamento, chôro dos nhambus na verde

e cheirosa capoeira,

junto ás carreiras do café maduro...

Queixa suave, balido das ovelhas,

buscando o aprisco ao descambar do dia...

Tudo ouço e vejo em sonho...só não vejo,

Sans Souci - que saudade! - os teus caminhos

que eu percorria em loucas alegrias

e onde cantavam os sabiás da mata...

Disse o poeta: - os caminhos também morrem...

Teus caminhos morreram para mim..

Vera Suckow de Lima

 

 

 

 
 
 
     
 

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