Haritoff - um nobre russo na corte brasileira

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A Bela Aliança

Impressões do Grão-duque da Rússia - Janeiro 1887

 
     
 

Alexandre, grão-duque da Rússia (13.04.1866 +26.02.1933)
Xénia, grã-duquesa da Rússia (06.04.1875 +20.04.1960)

Pela altura de 1883 instalam-se suntuosamente numa amplíssima casa em Laranjeiras, de que deixaram pomposas descrições. Carlos von Koseritz e Vicente Quesada, e onde reuniam, nos últimos anos da Monarquia e primeiros da República, a sociedade do Rio de Janeiro em recepções e bailes inesquecíveis.

Adquire ou consolida, Haritoff, o domínio da fazenda Bela Aliança, onde, havia 16 anos, se casara, ornando ali sua residência de campo com luxo e bom gosto.

Passos Maia - que a visitou e conheceu quando Haritoff já viúvo - descreve no livro "Guapé" a riqueza de Bela Aliança: "solar encantado onde o menor desejo era satisfeito"; com seus salões, tapêtes, veludos e brocados, a sala de armas, a de bilhar, os quartos dos hóspedes e mais as cavalariças, o jardim fronteiro, o pomar ao fundo...

Um dos visitantes dessa fazenda foi em janeiro de 1887 o Grão Duque Alexandre da Rússia, da casa reinante, sobrinho do Czar, com cuja filha Xênia, veio a casar-se.

Alexandre muito moço ainda, no verdor dos seus vinte e um anos, viajava à volta do mundo no "Rynda", navio da armada moscovita.

       
   
 

Detalhe da arquitetura do casarão de Bela Aliança. Foto: Terence Talbot

 

Não faltam a seu livro "Era uma vez um Grão Duque", de 1931, uma terna delicadeza romântica, a lembrar as maneiras de sentir e redigir de Maximiliano da 'Áustria, e grande simpatia por coisas, pessoas e sítios que viu e visitou.

Do Rio de Janeiro guardou ele tão grata recordação que escreveu: "quem bebe da água de Beykos voltará sem falta a Istambul - dizem os turcos. Tenho minhas dúvidas. Bebi-a e não sinto o mais leve desejo de rever aquela cidade... Entretanto, daria tudo, para ainda uma vez voltar a comtemplar a maravilhosa beleza do Rio".

Era a fascinação da baía, comparada à de Sidney, às de São Francisco e Vancouver; seria ainda a lembrança de uma adolescente a dançar à melodia da "Paloma", na fazenda de seu compatriota.

Poucos dias antes, da noite de Natal de 1886, Alexandre cismava na ponte de comando na hora do "quarto de modorra". Há uma exalação de oriente na calma comtemplação da natureza e na serena expressão de seus sentimentos de ausente, que não chegam à tristeza de nossa saudade: "Noite de Natal de 1886. O S.K.M.S. "Rynda" margeia ora em meio ao nevoeiro, ora debaixo de chuva o litoral brasileiro. Contemplo a ponte de comando o Cruzeiro do Sul a brilhar entre nuvens esbranquiçadas. Respiro a plenos pulmões a atmosfera das florestas tropicais.

"O sino de bordo dá quatro horas e marca o fim do "quarto". Embaixo, no salão, aguarda-me uma ceia fria e uma garrafinha de Wodka gelada. Ouço o crepitar da lâmpada de petróleo e o passo ritmado do oficial de quarto. Depois - completo silêncio de um navio de guerra antes do amanhecer.

Pinta um quadro de poucas pinceladas evocativas: a distância, a noite, a noite de Natal, aquele silêncio; imaginado e embevecido retornar ao que há de mais longíquo e querido e desejado: "um russo onde quer que esteja não esquece a família, os palácios, e as igrejas, os soldados em marcha, os cossacos ao galope, e a beleza alva e rosada das jovens. Vejo a ponta de um envelope fora de meu bolso, dentro desse envelope um cartãozito - "Os melhores votos de pronto retorno! Sua Xênia". Vem-me aos lábios um sorriso. Ela é tão meiga -..."

A amada lá ficara a milhares de milhas,em São Petersburgo. "Ela é tão meiga!... Quem sabe - um dia? Se o Czar não se importasse que sua filha esposasse um rapaz como eu?! Também Xênia ainda não completou doze anos. Temos ambos tanto tempo diante nós!"

Alexandre apenas começara uma viagem de três anos, como subtenente. Tudo viria seu tempo, a promoção, as honrarias, o amor de Xênia, sua esposa. Por agora era cismara assim no futuro russo uma noite; e noutra beber os olhos de uma brasileirinha o encanto mais forte que o da água de Beykos, feitiço que o faria tanto tempo depois querer voltar ao Brasil remoto, onde a vira dançar ao som da Paloma.

Foi em Bela Aliança - cinco dias numa fazenda dos trópicos entre plantações dos Haritoffs: - "Todas as manhãs saíamos montados a ver os campos e cafezais que se estendiam por uma área de muitos quilômetros. Uma orquestra improvisada, de escravos, tocava instrumentos curiosos para nos entreter.

À tarde, depois do jantar deixávamo-nos ficar na varanda, a ouvir o ruído ritmado dos tantãs. Vinha a noite. Não acendíamos as lâmpadas. Os pirilampos, aos milhares, nos davam bastante claridade".

Nem o nobre compatriota que o hospedava, nem Madame Haritoff com suas gentilezas lhe marcaram na memória a mais viva lembrança pessoal daqueles dias; mas as sobrinhas, as duas sobrinhas de Dona Nicota, "jovens, altas, esbeltas, de cabelos negros e pés pequenos - lindas".

Formosas realmente? ou assim as vira, aos influxos do ambiente com seus peregrinos sortilégios? "mas que rapariga, a dançar num jardim tropical iluminado de pirilampos, ao som de "La Paloma", tangida na guitarra, pareceria menos que linda a um jovem apenas chegado das geladas regiões de São Petersburgo?"

Fazia-o esquecer brumas e neves da pátria e sua Xênia rosada a atração sutil de uns olhos brasileiros, na meia obscuridade das varandas da fazenda, ao hálito dos cafezais: "lembro-me especialmente da mais velha, em que talvez eu despertasse algum sentimento. Ou ela desejara tão só ser amável com um Grão Duque russo que visitava seu país? Um pequeno romance da juventude. Se ainda vive, recordar-se-á de nossas noites de janeiro de 1887, com esta mesma grata impressão com que as memoro?"

Quem hoje, nas ruínas daquela casa, fôr à noite para cismar de um passado de muito mais de meio século, parecerá entrever em meio às cintilações dos vaga-lumes, dois pares d olhos que se fitam com ternura. E com a melancolia do irremediável, entretecido de tantas tragédias, murmurará comovido - "Era uma vez um Grão Duque..."

       

Genealogia do Grão-duque da Rússia

   
       
  Alexandre, grão-duque da Rússia
* 13.04.1866 + 26.02.1933

Pais
Pai: Miguel, grão-duque da Rússia * 1832
Mãe: Cecília, princesa de Baden * 1839

Casamentos: 1894
Com: Xénia, grã-duquesa da Rússia * 1875
* 06.04.1875 + 20.04.1960

Pais
Pai: Alexandre III, imperador da Rússia * 1845
Mãe: Dagmar, princesa da Dinamarca * 1847

Filhos
• Irene, grã-duquesa da Rússia * 1895 cc Félix, príncipe Yusupov
• André, grão-duque da Rússia * 1897 cc I Elisabetta Ruffo cc II Nadine Mac Dougall
• Feodor, grão-duque da Rússia * 1898 cc Irina, princesa Paley
• Nikita, grão-duque da Rússia * 1900 cc Maria, condessa Worontzoff-Dachkoff
• Dimitri, grão-duque da Rússia * 1901 cc I Marina, condessa Golenistchev-Kutuzov cc II Sheila Chisholm
• Rostislav, grão-duque da Rússia * 1902 cc I Alexandra, princesa Galitzine cc II Alice Baker cc III Heduvige von Chappuis
• Vassili, grão-duque da Rússia * 1907 cc Natália, princesa Galitzine.
 
Xenia Alexandrovna e Alexandre Mikhailovich, Grãos-duques da Rússia, pertencentes à dinastia dos Romanov. Alexandre visitou a fazenda Bela Aliança.      
 
     
 

Xenia e o seu primo, o Grão-Duque Alexandre Mikhailovich, brincavam juntos desde a infância e a sua relação começou como sendo simplesmente amigos. Quando chegou à adolescência, Xenia apaixonou-se pelo seu primo 9 anos mais velho que era um grande amigo do seu irmão Nicolau. Em 1886, quando Alexandre de 20 anos estava a servir na marinha, Xenia de 11 anos enviou-lhe um postal quando o seu navio se encontrava no Brasil, “Felicidades e volta depressa! A tua marinheira, Xenia.” Em 1889, Alexandre escreveu sobre Xenia, “Ela tem 14 anos. Acho que gosta de mim.”

Xenia e Alexandre queriam casar-se desde quando ela tinha 15 anos. Foi uma atracção na qual os seus pais não estavam inclinados para confiar, uma vez que Xenia era muito nova e eles não tinham a certeza sobre a personalidade de Alexandre. Finalmente, em Janeiro de 1894, os pais de Xenia aceitaram o noivado depois do pai dele, o Grão-Duque Miguel Nikolaievich, intervir, apesar da Czarina Maria Feodorovna se queixar da arrogância e falta de educação de Alexandre. O casal casou-se no dia 6 de Agosto de 1894 no Palácio de Peterhof e a sua prima Maude, futura rainha da Noruega, comentou sobre a ocasião: “A pequena Xenia estava muito querida como noiva, foi um dia esgotante para ela. Teve de pôr a coroa e a tiara antes de todas nós (…) O calor na igreja era insuportável uma vez que havia velas e candelabros e demasiada gente para um espaço tão pequeno. Podes imaginar como foi desconfortável – a cerimónia durou quase duas horas.” A irmã mais nova de Xenia, Olga, escreveu sobre a alegria do seu casamento, “O Imperador estava tão feliz. Foi a última vez que o vi assim.” (Biografia Xenia Alexandrovna. Foto Xenia e Alexandre <http://romanov.blogs.sapo.pt/2008/07/12/>)

 
     
  No cruzador Rynda veio ao Brasil o Grão-Duque Alexandre como subtenente da Marinha Imperial Russa. Na fazenda Bela Aliança foi recepcionado por cinco dias por Maurice Haritoff.
 

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"Entre 17 e 24 de abril de 1893, foi realizada a primeira edição da Revista Naval de Hampton Roads, em Norfolk (Virginia - EUA). Na noite de 23 de abril, chegou a Norfolk integrando uma Divisão Naval com o E Aquidabã e o C Republica, para participar da Revista Naval. Na manhã de 24 de abril, o Contra-Almirante (USN) Bancroft Gherardi, comandou a Parada e o contingente norte-americano, tendo o seu pavilhão no Cruzador USS Philadelphia.

Participaram pela Marinha dos EUA, o primeiro Esquadrão com os Cruzadores USS Newark (capitânia do CA Benham), USS Atlanta, USS San Francisco, USS Baltimore e as Canhoneiras USS Bancroft e USS Bennington e o segundo Esquadrão com os Cruzadores USS Chicago (capitânia do CA Walker), USS Charleston, USS Vesuvius, a Canhoneira USS Concord e o Torpedeiro USS Cushing.

Participaram também pela Marinha Real inglesa, os Cruzadores HMS Blake (capitânia do VA Hopkins), HMS Austrália, HMS Magicienne, o Cruzador-Torpedeiro HMS Tartar e a Canhoneira HMS Partridge; pela Marinha francesa, os Cruzadores Arethuse (capitânia do CA Libran) e Jean Bart, e o Brigue Hussard; pela Marinha italiana, os Cruzadores Etna (capitânia do CA Magnaghi), Giovanni Bausan e Dogali; pela Marinha alemã os Cruzadores Kaiserin Augusta e Seeadler; pela Marinha russa os Cruzadores General Admiral e Rynda; pela espanhola os Cruzadores Riena Regente, Infanta Isabel e o Torpedeiro Nueva España e pela Marinha holandesa o Cruzador Van Speyk." <http://www.brasilmergulho.com/port/naufragios/navios/sc/tiradentes.shtml>
 

 
  Fontes:
PINHO, Wanderley de. Salões e Damas do Segundo Reinado.
Biografia Xenia Alexandrovna. Foto Xenia e Alexandre <http://romanov.blogs.sapo.pt/2008/07/12/>
Detalhes casa da fazenda Bela Aliança.Terence Talbot <http://ttalbot.com/belaalianca/html/mainframe.htm>

<http://www.brasilmergulho.com/port/naufragios/navios/sc/tiradentes.shtml>

 
     
 

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