|
Corria
o ano de 1866. Não só conheceu o jovem
russo a Côrte, a sociedade urbana, como
visitou em companhia da irmã e do cunhado,
as fazendas da Província do Rio de
Janeiro, tomando contato com o esplendor
da vida campestre e castelã, naquela idade
de ouro do café e da escravatura.
Foi na
Fazenda do Pinheiro (hoje repartição do
Ministério da Agricultura), propriedade
então do Comendador José Frazão de Souza
Breves que Maurício Haritoff conheceu Ana
Moraes Costa, Nicota, sobrinha dos
senhores daquela grande casa, jovem, viva,
instruída, de palestra jovial e culta,
servindo-se do idioma francês com
perfeição, o que facilitava a aproximação
de ambos.
Ao
estrangeiro surpreenderia a grandeza e o
luxo do Pinheiro, que já de longe se
ostentava, pelo vulto e extensão da casa e
dependências a dominarem largo âmbito de
bucólico panorama, mirando perto o
rumoroso Paraíba.
Atravessando
o rio sobre uma ponte em dois vãos, bem em
frente ao solar emoldurado de jardins,
junto a uma das escadarias de mármore que
conduziam à varanda foi que o alvo russo
de olhos azuis, viu pela primeira vez a
brasileirinha franzina e morena de olhos
negros.
Um
impulso irreprimível fê-lo preferi-la,
entre tantas amazonas, para ajudá-lo a
apear-se. Passeavam conversando sempre
juntos por aquelas salas - a de espera,
com belos retratos dos imperantes e
gravuras reproduzindo quadros de Horácio
Vernet, o salão com grande espelho de
Veneza, candelabros de prata, o lustre
imenso, pendente do teto de fino estuque,
a mobília formosa.
Começava,
num ambiente de fausto, um terno romance
que só a morte acabaria.
Não
tardou o casamento, ainda em 1867 (10 de
outubro), realizado na fazenda Bela
Aliança (estação de Vargem Grande,
município de Piraí) dos Moraes Costa (13).
Era bem jovem o gracioso par - ela na flor
dos 17 anos, ele na casa dos 25.
Dentro em
pouco regressava ao Velho Mundo Maurício
Haritoff com a esposa, que amava com os
desdobramentos de sua raça. E com ela
levava a felicidade.
A Europa
os atraía; a um, para retornar; a outra
para conhecer.
Iam
integrar-se na vida elegante de Paris,
Maurício já agora marido fiel e
apaixonado, com casa nos Campos Elíseos,
em que recebiam com aquela nota de
suntuosidade que os russos sabiam dar,
quando tinham recursos, a seu trato
social.
As
relações pessoais, o grupo da família, o
elenco dos salões do cunhado Magnan, a
frequência à Côrte bonapartina, tudo
faria, sem demora, da casa de Maurício
Haritoff um autêntico salão daquela doce
Franca da Imperatriz Eugênia, no qual, a
princípio acanhada mas logo senhora de si,
Nicota não tardou em brilhar.
A
"débâcle", se avizinhava; e veio a
invasão, o cêrco de Paris, a humilhação, a
comuna, a república.
Os salões
sobrevivem aos regimes e o dos Haritoff
não era essencialmente imperial. Ia
dourar-se apenas de uma espécie de
sebastianismo para ser ou parecer mais
aristocrático.
E só se
fechou em 1877, quando Maurício Haritoff
partiu para servir à sua pátria na guerra
russo-turca ("como ajudante de campo do
General Alexis" - diria, talvez sem
exatidão, a "Gazeta de Notícias" por
ocasião de sua morte), tendo acompanhado o
General Gourko, o audaz gua da cavalaria
da vanguarda nos desfiladeiros da
cordilheira dos balcãs e na conquista
heróica da passagem fortificada de Chipka
(Shipka).
Balcãs - 1878
Dessa
incursão guerreira, que lhe apaga a tisna
de simples gozador mundano, trouxera do
oriente misterioso aquele manto exibido
pela esposa numa noite de teatro, no Rio
de Janeiro, fazendo vibrar a corda
romântica de um cronista elegante.
Cossaco na guerra turco-russa
Representava-se, pela primeira vez, em
1883, no D. Pedro II", o "Lohengrin". E se
pareceu não agradar a platéia a "música do
futuro:", seguramente a Wagner desdenhou o
redator do "Messager Brésilien", para quem
nada igualou a Mme. Haritoff, o maior
sucesso da noite", a atrair, numa frisa,
todos os olhares.
"Sa
tunique, qui lui allait à ravir, donnait
la mesure de son bon goût et de son
élégance. Le fond en est couleur cerise
surhaussé par des arabesques bordées de
lamelles dòr". E contava uma curiosa
história desse manto que viera de Smyrna,
e, depois de haver corrido todos os azares
da guerra, comprado a uma caravana que o
transportava a um palácio da Geórgia para
ornar as espáduas de uma princesa
circassiana, fôra, afinal, adquirido por
Maurício Haritoff.
"Jamais
Vêtement ne fut si bien approprié pour
unir la grâce à la splendeur et donner le
bon ton à une société élégant. C est du
rest cette charmant persone qui a su
imprimer se cachet d élégance et de bon
aloi à la société fluminense aussitôt
après son arrivée à Rio de Janeiro.
"Grace à
sa distinction parfaite, à sa grâce
seduissante, à son élégance inimitable, au
charme qu elle répand autor d elle, on
peut dire que dans la haute société
fluminense, Mme. Haritoff repésente ce qu
on est convenu déapeller une individualité
élégance.
"Nous ne
sommes nellement surpris qu à la première
de "Lohengrin" le manteau oriental, si
bien porté par Mme. Haritoff ait plus
ocupé le public que la musique de Wagner".
Voltou
Maurício Haritoff para os salões de Paris,
uma vez acabada a guerra; Nicota o
esperava com ternuras de mulher débil,
cuja saúde fraca redobrava, no russo, um
carinho que muitas vezes seria proteção
amiga.
Parecia,
porém, que o de que ela mais sofria eram
as saudades do Brasil. Tentava o marido ao
regresso. A este também, agradaria a
mudança, a aventura, a simpatia pela país
onde encontrara o segredo daquela doce
felicidade doméstica.
Voltar ao
Brasil, esquecer um pouco Paris. Brilhar
na Côrte de Pedro II, como antes na de
Napoleão III; opulentar uma fazenda de
café na Província do Rio de Janeiro, com o
trabalho dos escravos, como se fôra um
latifúndio lavrado por mujiques. Voltar ao
Brasil. Residir no Brasil. Morrer no
Brasil, quem sabe?!!!... |
|