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Barcos de pesca na Marambaia.

 
 

 

 
  Férias na Marambaia. A primeira visita - 2001.  
     
 

                                                                                                                 

 
Durante muitos anos quis conhecer a ilha de Marambaia, que fora em tempos remotos uma importante fazenda de café e entreposto do comércio de escravos. Hoje a ilha encontra-se sob o controle da Marinha e lá funciona o CADIM - Centro de Adestramento de Intendentes da Marinha. Entrei em contato com o comando daquela corporação e falando com o comandante Lobo Lopes, capitão-de-mar-e-guerra recentemente transferido para aquela unidade consegui a permissão para o embarque.
 
 

 

Disse-lhe o objetivo da visita e que era descendente do antigo proprietário daquela propriedade insular.

Nas férias de julho fomos até Itacuruçá para o embarque na lancha da Marinha. Durante o trajeto recebemos um rádio do Comandante do CADIM para confirmar nossa presença na embarcação. Prancheta na mão um militar confirmou nossa presença: o casal Marly e Aloysio Clemente Breves. A ansiedade era grande pois ia visitar um local que em tempos passados fora de propriedade de Joaquim Breves. A paisagem é belíssima e a brisa fresca da manhã na proa da nave me fazia lembrar da minha história familiar. Em 1927 outro passageiro também houvera feito o mesmo trajeto, curioso com o destino que havia sido dado aquela propriedade. Foi Assis Chateaubriand, o grande jornalista, que movido pelas comemorações do 2o. centenário da introdução do café no Brasil, desembarcara na ilha de Marambaia em busca das recordações daquele que foi um de seus maiores produtores.

Passamos por Jaguanum e o barco repleto de jovens que pela primeira vez estavam indo para aquele lugar. Curiosos perguntavam aos mais veteranos como eram as instalações, o que se tinha para fazer, e como seria a longa estadia de estudos e aperfeiçoamento.

Alguns moradores da ilha viajavam conosco. Gente humilde que ia rever parentes ou simplesmente tinham ido às compras no continente.

Depois de quarenta minutos começamos a avistar a ilha, e pouco a pouco podemos ver sua topografia. A emoção bate forte nesse momento.

No desembarque eramos aguardados por um oficial, o Comandante Dejair - pessoa simpática e atenciosa que nos deu as boas vindas e nos levou numa Toyota para a base da corporação.

Como era hora do café-da-manhã, fomos para o rancho. Os militares aproveitaram a antiga senzala dos Breves e preservando sua estrutura montaram um local para refeições e um mini-hotel de trânsito para os visitantes.

Após a refeição fomos para um encontro com o Comandante da Corporação - Jorge Lobo, e no caminho pude observar a beleza da ilha. As instalações militares são simples mas extremamente limpas e bem dispostas. O carro seguia pela praia acompanhando a linha de coqueiros tendo ao fundo os morros com a mata atlântica que cobre toda a ilha. O ponto mais alta da ilha atinge os 500 metros e a vegetação é densa. No tempo do império o Comendador Breves plantava café, milho e cana por toda ilha, inclusive nas encostas do pico.

Passamos pelo casario de oficiais e chegamos ao Comando. O comandante nos recebeu em sua sala juntamente com o imediato Dejair e conversamos sobre o passado daquela localidade. Ele é profundo conhecedor daquelas paragens e da história local. Ficou muito fácil a conversa. Deixei com ele um material impresso com fotos e textos sobre a família, e recebi um pequeno livreto sobre o Centro de Adestramento e sua história de fazenda de café antiga.

O oficial fizera uma rápida pesquisa nos cartórios de Mangaratiba e achou documentos interessantes da época que o café ditava os rumos econômicos do Império.

Após o almoço servido na senzala transformada, fomos dar um passeio pela vila. O tempo ruim prometendo chuva dificultava nossas intenções, que era visitar a praia de Armação. Só haviam duas opções: caminhar por uma trilha no meio da mata por cerca de uma hora ou pegar carona numa embarcação até lá.

Caminhando pela praia chega-se a uma pequena igreja e um colégio, que aquela hora estava cheio de alunos. Também existe um pequeno posto de saúde para o atendimento dos moradores. A vista é maravilhosa e a paz enche o lugar.

Saindo deste pequeno povoado seguimos uma trilha de terra que adentra os manguezais no entorno da ilha. Perguntamos a um morador quem era a pessoa mais antiga da região. Disse o homem que seguíssemos em frente que daríamos em uma casa. Chegamos até lá.

Atende-nos um senhor de cabelos brancos, Sr. Joel que nos diz estar com 75 anos. Falei sobre minha família, os antigos proprietários da ilha e restinga. Ele pediu que aguardássemos e retornou com um retrato pequeno, uma cópia de uma fotografia de Joaquim Breves. Era uma reprodução tirada provavelmente de algum livro. Falou que seu pai o conhecera.

Duvidei da afirmação e perguntei-lhe se conhecia alguém com mais idade, morador da ilha que pudesse nos fornecer maiores informações.

- Dona Sebastiana! disse ele. O sr. ande mais um pouco por essa trilha que vai ver a casa dela. Deve ter uns cem anos, riu o velhote.

Agradecemos e saímos em direção ao local apontado. Mais vinte minutos de caminhada chegamos à casa da velha senhora. Um de seus filhos vem nos atender.

Logo após chega a velha senhora. Disse Ter 84 anos. Parecia forte e com saúde. De pés no chão com o olhar baixo, ouviu minhas explicações. Quando lhe disse que a ilha pertencera à minha família em tempos muito distantes, perguntou-me qual era o nome do proprietário.

- Joaquim Breves, falei.

O olhar e a compostura da senhora se alterou. Parecia assustada e nervosa. Sorrindo tentei acalmá-la dizendo que não viera reaver a propriedade, e que Joaquim Breves já desaparecera hà muito.

Perguntei-lhe então como era o nome de seu pai.

- Adriano, respondeu.

- E o de seu avô?

- Gustavo Vítor.

Quem ficou surpreso fui eu. Repetia-se a história de Assis Chateaubriand. Ele em 1927 encontrou-se com 2 ex-escravos do Comendador Breves residentes na ilha. Eu encontrava-me com a filha e neta de um deles.

Dona Sebastiana tinha boa memória e contou-nos que seu pai conhecera o latifundiário. Repetiu a afirmativa de seu avô, que Joaquim era bom.

Agradeci muito a informação e tirei com sua autorização algumas fotos. Saímos dali reconfortados, pois a história estava viva.

Os descendentes de escravos dos Breves reclamam a posse da terra. São ilhéus, nasceram ali e vivem da pesca. A Marinha faz vista grossa e não tem como expulsá-los e assim vão vivendo.

Na despedida disse a velha senhora: "Vamos vivendo como Deus quer".

Deixamos a Marambaia debaixo de muita chuva, um temporal fortíssimo. O barulho da embarcação e o balanço do mar, serviam de música para nossa reflexão, principalmente para o resgate daquele pedaço da história.

Aloysio Clemente M. I. de J. Breves Beiler (2001 - Rio de Janeiro)

 
 
     
 
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