Ao folhear
a revista "Veja", edição de 12 de
fevereiro de 1992, deparei com a notícia
de falecimento do cineasta Mário Breves
Peixoto, em 02 de fevereiro de 1992,
considerado por muitos como "o pai do
Cinema Brasileiro". Minha surpresa foi
maior verificar que na fotografia
estampada na revista, aparece o cineasta
tendo ao fundo não muito visível, dado
as dimensões da foto publicada, o quadro
a óleo do Comendador Joaquim José de
Souza Breves.
Durante muito tempo
procurei incansavelmente por esta e por
outras telas representativas dos Breves
mais antigos.
O rei do café -
Comendador Joaquim José de Souza Breves
Com o endereço do
cineasta, no início do mês de setembro
de 1992, prosseguindo com minhas
pesquisas sobre os Souza Breves, cheguei
ao apartamento de Mário Breves Peixoto,
onde fui muito bem recebido por seu
afilhado Sr. Arleu.
Ao entrar naquele
apartamento em Copacabana, logo no hall
estava a tela do Comendador Joaquim
Breves, sem a moldura, colocada em cima
de um aparador .
O Sr. Arleu é uma
pessoa muito afável, tendo 65 anos, mora
com seu filho e nora no apartamento que
foi de Mário Breves Peixoto. Deixando o
hall de entrada dirigimo-nos para a sala
principal, onde domina o ambiente uma
tela de dimensões enormes, representando
o cineasta ainda bastante jovem, com a
moldura retirada da tela que estava no
hall. Perguntando ao Sr. Arleu porque
havia retirado a moldura do quadro do
Comendador Joaquim Breves, ele me disse
que o quadro precisava de restauração e
a moldura ainda estava bastante bôa,
apesar de já contar com mais de 160 anos
(provavelmente foi pintada em 1829).
Ele me disse que a
figura do Comendador Joaquim Breves
representava muito para Mário Breves
Peixoto, pois era um bem de família que
deveria ser preservado. Entretanto, para
Arleu a figura de maior importância, era
a do próprio cineasta, por quem nutriu
durante toda a vida grande carinho e
admiração, e por isso tinha mandado
pintar aquela tela, pagando um alto
preço e usando a moldura do quadro de
Joaquim Breves.
"Esta moldura,
dizia-me, era toda em decapê em tons
claros. Mandei envernizar pois não
gostava do estilo."
A tela de Mário
Peixoto foi pintada a partir de uma
fotografia, que segundo Arleu, fôra
tirada num dos inúmeros passeios que
fizeram juntos. A pintora hábilmente,
retratou-o sentado numa amurada de
mármore, tendo ao fundo os jardins, com
várias estátuas gregas, de seu sítio "O
Morcêgo" na Ilha Grande.
O Sr. Arleu me contou
diversas histórias sobre o cineasta:
"Mário foi um
humanista, um artista incompreendido.
Nunca foi lhe dado o devido valor."
Contou-me também que
no início da doença, Mário foi obrigado
a vender o sítio da Ilha Grande para
poder honrar seus compromissos e se
manter, uma vez que não possuía qualquer
rendimento. Mário tinha investido uma
fortuna considerável na reforma do "Morcêgo",
estando o mesmo quando de sua venda
repleto de obras de arte - mobiliário
antigo, pratarias, telas, louças
importadas - recebidas de herança, ou
adquiridas posteriormente. Um membro da
família Klabin é o atual dono desta
riqueza.
Durante muitos anos,
Mário Breves Peixoto ajudou com seu
prestígio a cidade de Mangaratiba. Com
certa mágoa, Arleu disse que fora
montada uma Fundação em Mangaratiba que
leva o seu nome. Funciona no solar do
Sahy e presta um excelente trabalho,
preservando um pouco daquele que foi
durante décadas a mola propulsora de seu
desenvolvimento – o Comendador Joaquim
Breves.
"Estou passando todo
o material que resta e pertencia a
Mário, para o Walter (Walter Moreira
Salles - do Unibanco), pois foi o único
que acompanhou e prestou auxílio a Mário
em sua desdita. Ele, Walter, ficou de
montar uma sala, num prédio do Unibanco,
que levaria o nome de Mário Breves
Peixoto e reuniria todo o material de
cinema, objetos pessoais e a extensa
biblioteca, com volumes ainda inéditos
de sua obra."
O Sr. Arleu relata
que o cineasta havia retirado da Fazenda
da Grama, em Passa-Três, várias telas,
estátuas e algum mobiliário na tentativa
de preservar o pouco que sobrara. A
maior parte das telas, representando
membros da família Breves, foram
entregues ao Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, ficando depositadas
num porão daquela entidade por mais de
20 anos. Por pouco não se perdeu tudo.
Mário foi avisado por um restaurador
daquela entidade para que retirasse suas
telas pois tudo estava se perdendo por
falta de cuidados.
Arleu me disse que
uma das telas, que representava uma
Nossa Senhora com o Menino Jesus na mão,
foi levada para a Ilha Grande, mas não
era mais possível recuperá-la, pois a
tinta estava se soltando, devido aos
longos anos exposta à umidade. As outras
telas foram doadas ou emprestadas para
outras instituições.
Fizemos uma pequena
pausa em nossa conversa para que eu
pudesse fotografar ambas as telas. Notei
que o retrato de Joaquim José de Souza
encontra-se bastante deteriorado,
atacado por fungos e cupins, e perfurada
a tela em alguns pontos. Trata-se de uma
tela pintada à óleo, sem data e
assinatura, de mais ou menos 1,50 x 1,00
metros. Tirei algumas fotos da tela que
se encontra na sala principal, e por
causa da luminosidade, levamos a do
Comendador para uma área externa para
que pudéssemos fotografá-la melhor. Não
sou profissional em fotografias, mas o
resultado me pareceu bastante bom.
Retornando ao
interior do apartamento, falamos também
sobre o relacionamento da família com
Mário:
..."Por seu
comportamento esquisito, poucas vezes
foi procurado. Uma vez seu irmão Octávio
esteve com ele. Mário me apresentou
dizendo mais tarde: ... é meu irmão
porque temos o mesmo sangue. Vemo-nos de
20 em 20 anos.
Não achei estranho,
esse comportamento "esquisito" relatado
por Arleu, pois trata-se de uma
característica comum aos Breves, isto é:
o comportamento arredio e bizarro,
chegando mesmo a extravagância, e a
tendência ao isolamento. Continuando a
relatar o Sr. Arleu :
"Mário foi um homem
rico, de muitas posses. Quando sua avó,
faleceu em Petrópolis, foi chamado para
a partilha do palacete da Avenida
Koeller. "
... não quero
imóveis, pois para mim não tem valor
nenhum. Me interesso apenas pelos
objetos do interior da casa.
Foi lhe dado então a
oportunidade de escolher o que quizesse.
Como afirma a
revista, "Limite", rodado no início dos
anos 30 em Mangaratiba, com roteiro,
direção e montagem do próprio Mário,
entrou para a história do cinema
brasileiro como uma de suas maiores
lendas. Com ambições filosóficas de
traduzir em imagens o naufrágio da
existência humana, Limite foi
considerado uma obra de gênio, que
poucos viram ou conseguiram entender.
Sua cadência fúnebre, com composições
rígidas e enquadramentos estáticos,
atrairam a atenção dos críticos da
década de 30, que o classificaram como a
melhor contribuição brasileira para o
vanguardismo internacional da época. Uma
das mais famosas histórias sobre o filme
dizia que, depois de assisti-lo em
Londres, em 1931, o cineasta russo
Sergei Eisenstein escreveu um artigo no
qual se derramava em elogios. Mais
tarde, trocando o cinema pela literatura
Mário escreve "O Inútil de Cada Um", seu
único livro, publicado em 1984, reúne
segundo o autor, as idéias de Limite.
Arleu, disse-me que
existem mais 5 volumes da obra " O
Inútil de Cada Um", que Mário pedia que
fossem publicados após sua morte.
Esperamos que o Sr. Walter Moreira
Salles se interesse pela publicação,
visto que, encontra-se em suas mãos os
originais.
Existem controvérsias
sobre a data de nascimento de Mário
Peixoto Breves. Dizem alguns que, teria
nascido em 1908 em Bruxelas, mas há quem
diga também, que teria nascido em 1918
no Rio de Janeiro. Pelo que pude apurar
junto ao seu afilhado Arleu, Mário
nasceu em Bruxelas em 1908, e juntamente
com seu irmão Octávio, estudaram na
Europa durante muitos anos, na
Inglaterra e Suíça.
Tenho que ressaltar a
dedicação do Sr. Arleu no trato das
coisas do cineasta. Sua idéia de
preservar a obra cinematográfica e
literária de seu padrinho é comovente.
Esperamos, sinceramente que tenha êxito,
pois aquele que foi considerado como
"Pai do Cinema Brasileiro", merece ser
eternizado na memória do Estado do Rio
de Janeiro.
Rio de Janeiro,
Setembro de 1992. (O autor)