Francisca
Caetana da Conceição ou "tia Chica" como era chamada, viveu mais
de cem anos. Foi a última escrava dos Breves e faleceu em 1962.
Jocosa, gostava de cantar, dançar e contar "causos". Morava num
terreno enorme em Piraí ao lado da subida da Igreja de
Sant'Anna, onde hoje é a Câmara Municipal. A antiga ladeira da
igreja de Piraí era calçada com pedras pé-de-moleque
irregulares, de vários tamanhos. Ladeada por pés de jambo e
coqueiros, terminava em frente à "linha" - estrada de ferro,
hoje rodovia. Do outro lado, a subida para o cemitério. Os
habitantes do lugar subiam-na para rezar e às vezes desciam-na
carregados para repousar no campo santo. Na silenciosa Piraí o
sino da matriz noticiava com seu toque que havia chegado a hora
de alguém fazer a travessia.
Na década de
60, a Prefeitura desapropriou o terreno para abertura de uma rua
que fizesse a ligação entre a Rua Nova e a ladeira da Igreja.
Meu avô Reynato Breves moveu uma ação de perdas e danos. Não
queria se desfazer do terreno e na justiça o caso durou muito
tempo. "Rua da "Perseguição" dizia ele. A rua foi aberta e
passou no meio do terreno de Tia Chica. Entretanto, a centenária
senhora já havia nos deixado. Deram o nome à nova travessa em
homenagem ao Dr. Luiz Antônio Garcia da Silveira, ilustre
médico, considerado o "médico dos pobres", que morava no
cruzamento com a ladeira, em uma de suas esquinas. Justa
homenagem, mas poderia ser também Tia Chica ou Reynato Breves.
Quando
perguntavam seu nome dizia: "Chica Quetana". No seu linguajar
característico dizia: "Zêle num veio hoji trabaiá", ou seja,
"Ele não veio trabalhar". Dançava o jongo e bebia cachaça.
Fumava um "pito" (cachimbo) com fumo-de-rolo feito de coquinho e
ficava alegre contando as histórias da África e das fazendas
onde trabalhara. Aos cem anos, de enxada na mão, tinha orgulho
da sua sua roça de mandioca e milho que plantava no terreno.
Respeitada
por todos, andava por Piraí vestida de chita e algodão,
descalça, desfiando um rosário de histórias. Incomum para a
época, tratava meus avós Reynato e Eugênia (Neném) pelos nomes.
Quando eles nasceram ela já existia e desde então acompanhara
suas vidas. Tia Chica trabalhou na fazenda das Palmeiras de José
Frazão de Souza Breves, filho do "rei do café". Conhecera os
pais de meus avós, Silvino e Eugênio.
Seu
companheiro de andanças era Sapeca, do qual não sabemos o nome
verdadeiro. Muitos diziam ser seu filho. Sapeca vivia de
pequenos trabalhos e na maior parte do tempo embriagado. Tinha
medo, verdadeiro pavor de tempestades. Quando pressentia a
chegada da tormenta corria para a casa dos Breves em Piraí.
- Dona
Neném, me arruma um pouco de palha-benta!
Queimava a
palha(*) e rezava. A chuva passava.
Não
suportava que cortassem o cabelo. Tinha pavor de tesoura. Um tio
nosso sempre que encontrava com ele dizia:
Sapeca,
venha cá! Pegava uma tesoura e o Sapeca saía correndo apavorado.
Tia Chica
tinha muita afeição pelo Padre Reynato Breves. Viu-o nascer, e
seu gosto pelo cachimbo na idade adulta é fruto dessa amizade.
Sempre que se referia à sua figura com carinho, e por vezes
imitava seu gestos e maneira de falar. |