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Em 1847, foi fundada uma companhia cujo objetivo principal era ligar
o centro-oeste da província de Minas Gerais ao litoral. Isso
deveria ser viabilizado por meio da navegação do rio Mucuri e da
construção de estradas paralelas aos trechos não navegáveis.
Dirigida por Teófilo Otoni e apoiada por fazendeiros do termo de
Minas Novas, a atuação da Companhia de Navegação e Comércio
do Mucuri mudou a paisagem da região. Aproximando-se das populações
indígenas de forma não-violenta, Otoni conseguiu penetrar nos
territórios habitados pelos temidos botocudos, obteve deles a
permissão para empreender a construção das estradas, a criação
de fazendas e mesmo a fundação da freguesia de Filadélfia, atual
cidade de Teófilo Otoni. O misterioso rio passou a ser percorrido
pelo vapor Peruípe, e seu ruído somou-se às sonoridades da mata
densa e repleta de vida. Seu curso foi mapeado por engenheiros
contratados para tal, sua profundidade foi avaliada. Na floresta, os
conquistadores passaram a buscar madeira para construções, lenha
para as casas, desflorestando e realizando queimadas em largas áreas
para plantio agrícola ou pastagem dos animais de carga e
transporte. Além dos índios, passou a percorrer a região uma gama
de novos personagens: soldados, negros escravos, populações livres
e marginalizadas da sociedade imperial, naturalistas, engenheiros,
fazendeiros, padres capuchinhos contratados pelo governo, diretores
de índios, autoridades policiais e imigrantes de partes variadas do
mundo (chineses, madeirenses, franceses, suíços, austríacos,
belgas, holandeses, prussianos). Os recém-chegados adaptaram-se
melhor ou pior às condições de assentamento. Enfrentaram o calor,
a umidade, o caráter denso da vegetação da Mata Atlântica, a
dificuldade de derrubadas, as regiões por vezes pantanosas, os
mosquitos, as doenças tropicais, os bichos-de-pé, os carrapatos,
as febres conseqüentes da infecção de feridas por parasitas, a
abundância de morcegos hematófagos, além do terror decorrente da
fama de violência e animalidade imputadas às populações indígenas
da região. Na tarefa titânica de fundar um modelo preconcebido de
civilização no seio da mata, a seca que atingiu a região em
meados da década de 1850, a chegada descontrolada de colonos, a
precariedade da organização da Companhia e a carestia extrema
transformaram o suposto paraíso tropical de abundância e promessa
em cenário infernal de doença, desilusão, violência, fome e
morte.
É este o cenário a ser avistado e percorrido pelo médico
Robert Avé-Lallemant, cuja chegada ao Mucuri data de janeiro de
1859. Cerca de um ano antes, o barão Johann Jakob von Tschudi
assistira ao desencadeamento da crise. Ambos foram recebidos e
guiados por Teófilo Otoni.
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