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  A afirmação cultural dos quilombolas acontece num cenário de conflito social e jurídico. O patrimônio imaterial está presente na comunidade, através da memória, da oralidade, das ruínas do passado repassada por gerações. A dança do jongo é um bom exemplo. Hoje, os encontros culturais de dança, artesanato, festas religiosas, são objeto de visitas de público variado – turistas nacionais e estrangeiros -, que freqüentam esses locais em busca da variedade cultural africana.

No Vale do Paraíba atualmente existe uma teia de comunidades de jongo e outras folias, que se articularam ao longo dos últimos quinze anos para o encontro, troca de idéias, e principalmente transformar os encontros de jongueiros em uma forma de demonstração de força e unidade na luta pela posse da terra assegurada pela Constituição Federal.

Em 2000, por ocasião do V Encontro de Jongueiros, realizado em Angra dos Reis, os quilombolas de São José da Serra, corajosamente estenderam uma faixa que dizia: "A comunidade de Remanescentes de Quilombos de São José da Serra reivindica a titulação de suas terras".

 
     
 
 

Jongo - patrimônio imaterial de resgate dos quilombos

 
     
  Falando recentemente para visitantes, o líder da comunidade quilombola São José da Serra, em Valença, RJ, Antônio Nascimento Fernandes, conhecido como Toninho "Canecão", chamou o jongo de salvador da comunidade, ressaltando sua importância para a manutenção das tradições, e da união da comunidade:
     
  [...] Por causa do jongo, é o carro-chefe. E para que tenha o jongo tem que ter o quê? União. Sem união não pode. O jongo não canta sozinho e nem dança sozinho, precisa de um grupo. Então é isso que a gente está trabalhando muito com as crianças ... Amanhã nós vamos estar aí com crianças, dançando o jongo, até criança de seis anos, cinco anos ... Tem criancinha lá que está com dois anos e já sabe, bota lá e , a gente já deixa. E um troço que no passado não podia, mas a gente deixa [por]que eu acho que o salvador da comunidade vai ser o jongo. E o jongo na Comunidade São José da Serra, eu vou falar um pouquinho do jongo. O jongo da Comunidade São José da Serra é uma das coisas que a gente tem consciência [que] é uma das coisas boas, porque o jongo ele foi criado assim: no tempo da escravidão, então o negro vinha lá de fora da África e quando chegava no Brasil eles faziam tudo pra poder trocar, tirar parentesco, grau de parentesco. Cada um levava para um lugar aí até com língua diferente ( ... ) até dialeto não falava o mesmo ( ... ) para poder complicar a convivência deles nas fazendas. E no jongo, os negros se organizaram através do cântico. Então começaram a cantar, e cantando eles se conheciam, através do canto e daquilo foi surgindo algum namoro, nas lavouras de café. E passaram a confiar um no outro. E assim foi criado o quilombo também. Porque o jongo, ele é um cântico não decifrável. Porque o cara cantava, combinava quem ia fugir, como ia fugir, quando iria fugir, com quem iria fugir. Mas os feitores, que ficavam o dia todo nas lavouras de café, não tomavam conhecimento daquilo. Aí foi indo, com o passar do tempo, aí foi criando os quilombos. Veio o dos Palmares, depois vieram outros quilombos, como hoje é o de São José da Serra.  
     

O discurso de improviso de Toninho, líder da comunidade quilombola de São José da Serra, segundo Hebe Mattos, [...] une passado, presente e futuro, surpreendendo coerência e estruturação, revelando alguém com reflexões prévias sobre si próprio e suas relações com a história da comunidade. Confere, assim, ao grupo, uma identidade, uma determinada personalidade coletiva, construída nas relações de parentesco, na prática do jongo e na luta conjunta pela posse da terra do novo quilombo - e não mais na memória do cativeiro de seus antepassados na Fazenda São José. As comunidades de Marambaia e Bracuí possuem grupos de jongo, como possuem também outras localidades oriundas de antigas fazendas dos Souza Breves no vale do Paraíba, como por exemplo, Arrozal e Pinheiral. Na Marambaia, o jongo está sendo reativado e reanimado pelos jovens participantes do Grupo Cultural Filhos da Marambaia, que promove a cultura negra em festas nas localidade e eventos extra-ilha.

Em Santa Rita do Bracuí, Angra dos Reis, RJ, um ativo grupo de jongo está em plena atividade, congregando os mais velhos, jovens, mulheres e crianças. Mas nem sempre foi assim. Délcio José Bernardo de Angra dos Reis, comenta sua vivência na comunidade quilombola:

     
  Quando criança, tinha vergonha de dançar o jongo, porque as pessoas do morro, que não conheciam a dança, todas as vezes que realizávamos uma roda de jongo, no dia seguinte faziam comentários: "Ontem teve macumba à noite toda e ninguém conseguiu dormir". Como o termo "macumba", até os dias de hoje, ainda é para muita gente associado à maldade, à bruxaria, a coisas ruins, nós, as crianças da época, não queríamos ser acusadas de praticar tais maldades, já nos bastava à rejeição por sermos negros(as). Mesmo nesse ambiente de preconceito e discriminação (grifo nosso), que deixou profundas marcas em minha vida, não consegui esquecer as noites de jongo, iluminadas pela fogueira e animadas pelas metáforas, cantorias e palmas daqueles(as) sofridos(as) produtores(as) culturais. Aqueles que fizeram de sua vida uma escola para que eu pudesse aprender e me transformar no que sou hoje, e no que me faz acreditar em uma vida melhor para todos.  
     

Os pesquisadores da UFF que participaram do projeto "Jongos, Calangos e Folias), em 26 de fevereiro de 2007, foram recebidos no terreiro do quilombo para uma animada roda de jongo em Bracuí, onde participaram os mais velhos representantes da comunidade: Seu Manoel Moraes, Seu José Adriano, Seu José Geraldo, Seu Rosalvo, Délcio, Dona Marilda e Dona Olga.

O turismo cultural

Este processo de mobilização e organização é a prova de que as comunidades jongueiras estão conscientes de que possuem um bem cultural de grande valor, um conjunto de saberes ancestrais, testemunhos de sofrimento, mas também de determinação, criatividade e alegria dos afro-descendente.

Os encontros de jongueiros transformaram-se em eventos de grande proporção. São José da Serra, Angra dos Reis e Pinheiral entre outros, possuem infraestrutura para receber muitos visitantes. O de Pinheiral e Arrozal, além de adquirim status de Ponto de Cultura, recebem apoio das prefeituras locais. Em São José da Serra, por ocasião da festa dos Pretos Velhos em maio, comemorando a libertação dos escravos, ocorre uma verdadeira invasão de turistas, aficcionados, pesquisadores, imprensa, cineastas.

Não é somente o jongo que é dançado, mas ritmos das mais variadas culturas se fazem presente: folias de reis, mineiro pau, Boi Pintadinho de Santo Antônio de Pádua, caxambu de Porciúncula, calangos, etc.

 
 

Fontes:

MATTOS, Hebe. Políticas de reparação e identidade coletiva no meio rural: Antônio Nascimento Fernandes e o quilombo São José. Projeto Memórias do Cativeiro. Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI), realizados nos anos de 2003, 2004 e 2005. Departamento de História da UFF. Revista Estudo Históricos. Rio de Janeiro, no. 37, 2006, p. 167-189.

Jongos, Calangos e Folias. Projeto Cultural UFF - PETROBRÁS. Edital Petrobrás Cultural 2005. Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (www.historia.uff.br/jongos/acervo)

BERNARDO, Délcio José. Jongo: uma didática a caminho da escola. Programa Salto Para o Futuro. (http://www.tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/)

”Dossiê IPHAN 5 Jongo no Sudeste (IPHAN, 2007: 15-16)

Gilberto Fugimoto. http://redecultura.ning.com/profiles/blogs/festa-do-quilombo-reune
 
 
     
 

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