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Falando recentemente para
visitantes, o líder da comunidade quilombola São José da Serra,
em Valença, RJ, Antônio Nascimento Fernandes, conhecido como
Toninho "Canecão", chamou o jongo de salvador da comunidade,
ressaltando sua importância para a manutenção das tradições, e
da união da comunidade:
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[...]
Por causa do jongo, é o carro-chefe. E para que tenha o
jongo tem que ter o quê? União. Sem união não pode. O jongo
não canta sozinho e nem dança sozinho, precisa de um grupo.
Então é isso que a gente está trabalhando muito com as
crianças ... Amanhã nós vamos estar aí com crianças,
dançando o jongo, até criança de seis anos, cinco anos ...
Tem criancinha lá que está com dois anos e já sabe, bota lá
e , a gente já deixa. E um troço que no passado não podia,
mas a gente deixa [por]que eu acho que o salvador da
comunidade vai ser o jongo. E o jongo na Comunidade São José
da Serra, eu vou falar um pouquinho do jongo. O jongo da
Comunidade São José da Serra é uma das coisas que a gente
tem consciência [que] é uma das coisas boas, porque o jongo
ele foi criado assim: no tempo da escravidão, então o negro
vinha lá de fora da África e quando chegava no Brasil eles
faziam tudo pra poder trocar, tirar parentesco, grau de
parentesco. Cada um levava para um lugar aí até com língua
diferente ( ... ) até dialeto não falava o mesmo ( ... )
para poder complicar a convivência deles nas fazendas. E no
jongo, os negros se organizaram através do cântico. Então
começaram a cantar, e cantando eles se conheciam, através do
canto e daquilo foi surgindo algum namoro, nas lavouras de
café. E passaram a confiar um no outro. E assim foi criado o
quilombo também. Porque o jongo, ele é um cântico não
decifrável. Porque o cara cantava, combinava quem ia fugir,
como ia fugir, quando iria fugir, com quem iria fugir. Mas
os feitores, que ficavam o dia todo nas lavouras de café,
não tomavam conhecimento daquilo. Aí foi indo, com o passar
do tempo, aí foi criando os quilombos. Veio o dos Palmares,
depois vieram outros quilombos, como hoje é o de São José da
Serra. |
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O discurso de improviso de
Toninho, líder da comunidade quilombola de São José da Serra,
segundo Hebe Mattos, [...] une passado, presente e futuro,
surpreendendo coerência e estruturação, revelando alguém com
reflexões prévias sobre si próprio e suas relações com a
história da comunidade. Confere, assim, ao grupo, uma
identidade, uma determinada personalidade coletiva, construída
nas relações de parentesco, na prática do jongo e na luta
conjunta pela posse da terra do novo quilombo - e não mais na
memória do cativeiro de seus antepassados na Fazenda São José.
As comunidades de Marambaia e Bracuí possuem grupos de jongo,
como possuem também outras localidades oriundas de antigas
fazendas dos Souza Breves no vale do Paraíba, como por exemplo,
Arrozal e Pinheiral. Na Marambaia, o jongo está sendo reativado
e reanimado pelos jovens participantes do Grupo Cultural Filhos
da Marambaia, que promove a cultura negra em festas nas
localidade e eventos extra-ilha.
Em Santa Rita do Bracuí, Angra
dos Reis, RJ, um ativo grupo de jongo está em plena atividade,
congregando os mais velhos, jovens, mulheres e crianças. Mas nem
sempre foi assim. Délcio José Bernardo de Angra dos Reis,
comenta sua vivência na comunidade quilombola:
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Quando criança, tinha vergonha
de dançar o jongo, porque as pessoas do morro, que não
conheciam a dança, todas as vezes que realizávamos uma roda
de jongo, no dia seguinte faziam comentários: "Ontem teve
macumba à noite toda e ninguém conseguiu dormir". Como o
termo "macumba", até os dias de hoje, ainda é para muita
gente associado à maldade, à bruxaria, a coisas ruins, nós,
as crianças da época, não queríamos ser acusadas de praticar
tais maldades, já nos bastava à rejeição por sermos
negros(as). Mesmo nesse ambiente de preconceito e
discriminação (grifo nosso), que deixou profundas marcas em
minha vida, não consegui esquecer as noites de jongo,
iluminadas pela fogueira e animadas pelas metáforas,
cantorias e palmas daqueles(as) sofridos(as) produtores(as)
culturais. Aqueles que fizeram de sua vida uma escola para
que eu pudesse aprender e me transformar no que sou hoje, e
no que me faz acreditar em uma vida melhor para todos. |
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Os pesquisadores da UFF que
participaram do projeto "Jongos, Calangos e Folias), em 26 de
fevereiro de 2007, foram recebidos no terreiro do quilombo para
uma animada roda de jongo em Bracuí, onde participaram os mais
velhos representantes da comunidade: Seu Manoel Moraes, Seu José
Adriano, Seu José Geraldo, Seu Rosalvo, Délcio, Dona Marilda e
Dona Olga.
O turismo cultural
Este processo de
mobilização e organização é a prova de que as comunidades
jongueiras estão conscientes de que possuem um bem cultural de
grande valor, um conjunto de saberes ancestrais, testemunhos de
sofrimento, mas também de determinação, criatividade e alegria
dos afro-descendente.
Os encontros de jongueiros
transformaram-se em eventos de grande proporção. São José da
Serra, Angra dos Reis e Pinheiral entre outros, possuem
infraestrutura para receber muitos visitantes. O de Pinheiral e
Arrozal, além de adquirim status de Ponto de Cultura, recebem
apoio das prefeituras locais. Em São José da Serra, por ocasião
da festa dos Pretos Velhos em maio, comemorando a libertação dos
escravos, ocorre uma verdadeira invasão de turistas,
aficcionados, pesquisadores, imprensa, cineastas.
Não é somente o jongo que é
dançado, mas ritmos das mais variadas culturas se fazem
presente: folias de reis, mineiro pau,
Boi Pintadinho de Santo Antônio
de Pádua, caxambu de Porciúncula, calangos, etc.
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