O caso Bracuhy

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Bracuhy, 11 de dezembro de 1852

 
      

Fazenda do Resgate, Bananal, SP. Foto: Nickson Salem.

O tráfico de escravos africanos para o Brasil havia sido proibido, pela primeira vez, em novembro de 1831. Entretanto, a lei não foi cumprida com eficiência e a escravização de africanos prosseguiu com grande intensidade, apesar da pressão da Inglaterra para sua interrupção desde 1807, quando abolira o comércio de escravos em suas colônias.
Em agosto de 1845, visando atualizar de uma forma mais drástica antigos tratados, que estabeleciam o direito de busca em alto mar por navios ingleses, o Parlamento inglês votou o Bill Aberdeen (projeto de lei encaminhado por Lord Aberdeen, Ministro das Relações Exteriores). Alei declarava legal o apresamento de qualquer navio empregado no tráfico e dava aos tribunais do Almirantado da Inglaterra o poder de julgar os infratores por pirataria.
Nessa conjuntura, mas procurando evitar que qualquer medida fosse associada a uma simples obediência aos interesses ingleses, em setembro de 1850, o governo imperial, chefiado pelo Gabinete Conservador, conseguia aprovar na Câmara e no Senado, sem significativa oposição. A Lei 581, um novo limite à continuidade do tráfico de africanos.
Desde o século XVII ocorriam desembarques de escravos nos portos da costa verde, de Sepetiba até Paraty. Até 1759, eram promovidos pelos padres jesuítas, que assim obtinham braços escravos para seus engenhos de cana.
Esses desembarques intensificaram-se no princípio do século XIX, promovidos principalmente pelos fazendeiros de café do Vale do Paraíba, que, de princípio, ignoraram os termos da Lei 581, imaginando-a mais uma legislação ditada "para inglês ver".
Normalmente essas arribadas ocorriam nos portos de Mangaratiba e Sepetiba, mas com a proibição, toda costa deserta que possibilitasse um desembarque passou a ser utilizada.

     
  Em 11 de dezembro de 1852 houve um desembarque de africanos no porto do Bracuhy, freguesia da Ribeira, próximo à cidade de Angra dos Reis. Narra o delegado que, ao aportar o barco americano "Camargo", comandado por um capitão norte-americano, muitas canoas haviam se aproximado e os africanos desembarcaram em terras da Fazenda Santa Rita do Bracuí, de propriedade do Comendador José de Souza Breves, irmão do "Rei do Café". A polícia prendeu vários traficantes nacionais e estrangeiros, apreendeu parte da carga de 500 africanos vindos de Quelimane e Moçambique, bem como documentação que incriminava muita gente importante, inclusive o Comendador Luciano e o Major Nogueira, figurões de Bananal.

Os irmãos Souza Breves: comendadores Joaquim José  e José Joaquim.

   
     

As enérgicas medidas tomadas pelo governo imperial logo tiveram efeito e em 16 de janeiro de 1853 foram apreendidos 10 africanos boçais, acompanhados de um escravo ladino, em um rancho aberto, em terras da Fazenda Resgate, em Bananal. Logo depois, a 20 do mesmo mês, outros escravos seriam apreendidos em fazendas da região. O processo aberto posteriormente arrolou como acusados alguns dos homens mais ricos e poderosos do Brasil, dentre eles o Comendador Joaquim Breves, dono de 37 fazendas e 27 chácaras, e o Comendador Manuel de Aguiar Vallin, proprietário de latifúndios que iam de Angra dos Reis às Minas Gerais, ambos conhecidos cafeicultores e chefes do Partido Conservador. Também foram indiciados, em fevereiro de 1853, o sogro de Vallin, o Comendador Luciano José de Almeida, o Major Antônio José Nogueira e Pedro Ramos Nogueira, todos grandes fazendeiros de Bananal.
Na verdade, Aguiar Vallin não chegou a ser julgado. O processo foi instaurado, as testemunhas foram ouvidas e Vallin ficou detido na cadeia (segundo ele próprio, por livre e espontânea vontade...). Entretanto, antes do julgamento, o Chefe de Polícia de São Paulo, Fernandes Fonseca, aceitou seu recurso e despronunciou-o.
No final, todos os envolvidos foram absolvidos,mas o próprio fato de algumas das
maiores potestades financeiras da nação terem sido levadas a um tribunal,sendo as testemunhas contra elas quase todos escravos, foi um acontecimento inédito no Brasil.
Vale ressaltar que a imprensa em sua totalidade ficou ao lado dos fazendeiros quase que o tempo todo, fazendo alguns jornais campanha por suas solturas; outros periódicos, defendiam os nababos nacionais não contra o ato em si,mas contra o que era considerado um ultraje à dignidade nacional o fato de submeter esses homens a um tribunal que, em última análise, estava obrigando súditos brasileiros a cumprir uma lei ditada pelos ingleses.
Seja como for, foi a primeira vez que autoridades de tal porte foram levadas a submeter-se a lei e, se o tráfico de escravos ainda ocorreria ocultamente por mais alguns anos, ele decresceu até desaparecer por completo em virtude da energia empregada pelo governo imperial em extinguí-lo.
Em 1859, o Comendador Manuel de Aguiar Vallin solicitou ao governo imperial o título de Barão de Bananal. O Ministro Marquês de Abrantes indeferiu o pedido, em carta de 06 de março de 1859, alegando a questão negreira do Bracuhy. Nem o poderoso Vallin, nem o riquíssimo Breves e nenhum dos outros importantes envolvidos atingiria a nobreza.

Pesquisa e redação do Prof. Milton de Mendonça Teixeira.

História da Fazenda Resgate

Em 1776, o local denominado “o Resgate”, na Província de São Paulo, quase divisa com a então Província do Rio de Janeiro, deu origem ao que anos mais tarde seria a Fazenda Resgate, no atual município de Bananal, no Vale do Paraíba paulista. Esse local pertencia à Fazenda Três Barras, cabeça de sesmaria do padre Antônio Fernandes da Cruz.

O Resgate tornou-se uma fazenda em 1828, como dote de casamento de Alda Rumana de Oliveira com o coronel Ignácio Gabriel Monteiro de Barros. Nessa época, a propriedade produzia toucinho, milho, feijão, farinha e café (porém em pouca quantidade) e, além disso, possuía apenas 77 escravos.

     
  Em 1833, a Fazenda Resgate foi comprada pelo senhor José de Aguiar Toledo, comerciante açoriano (português, portanto) que chegou ao Brasil em meados do século XVIII (cerca de 1750). Toledo chega a Bananal no início do século XIX, trazendo consigo, de Minas Gerais, a solução arquitetônica implantada na fazenda e o pioneirismo no plantio do café em larga escala na região.

Em 1838, por ocasião do falecimento de José de Aguiar Toledo, a Fazenda Resgate e suas demais propriedades são deixadas como herança para seus oito filhos. Em pouco tempo, Manoel de Aguiar Vallim, um dos oito irmãos, compra dos irmãos suas partes da fazenda Resgate e estabelece moradia na propriedade.

Em 1844, O Comendador Manoel de Aguiar Vallim casa-se com Domiciana Maria de Almeida, filha do Comendador Luciano José de Almeida, dono da Fazenda Boa Vista e possuidor de uma das maiores fortunas do Brasil à época.

Comendador Manoel de Aguiar Vallim    
     

Em poucos anos, Manoel de Aguiar Vallim aumentou substancialmente sua fortuna e, em 1855, resolve fazer uma reforma na casa de vivenda da Resgate. Assim, o Senhor Brusce principia as obras no sobrado, adaptando-o ao estilo neoclássico, tão em voga em Paris.

A casa, construída em meados do século XVIII, baseada no estilo senhorial português (com apenas um pavimento) e adaptada à solução mineira de produção de café da primeira metade do século XIX (já com dois pavimentos, porém sem nenhum requinte), ganhou fachada neoclássica com uma escada central em cantaria. Os materiais de construção empregados na reforma também diferem daqueles utilizados em sua construção: o primeiro pavimento é feito em pedra e pau-a-pique e o segundo com tijolos de adobe. Contudo, apesar da fachada em estilo neoclássico, os fundos da casa estão pousados ao “rés do chão”, em uma planta em formato de “U” com três mansardas: duas laterais e uma voltada para o pátio interno, característico do partido mineiro. A reforma também abarca o pátio interno, que recebe nova feição. A sala de jantar é colocada junto a ele para fins de arejamento e iluminação, como era costumeiro nas residências burguesas na França, idealizando uma nova disposição do espaço. Essa é uma mudança fundamental nos parâmetros de moradia do Brasil oitocentista. Dessa forma, a Fazenda Resgate transforma-se em um monumento/documento completamente preservado da história do Brasil.

A partir de 1858, o pintor espanhol José Maria Villaronga começa a pintar o segundo pavimento do casarão da Resgate. No átrio de entrada encontram-se retratados os produtos agrícolas da fazenda: em posição principal o café, circundando-o, a cana, o milho, o feijão e a mandioca. Na sala de visitas, em estilo barroco, pássaros brasileiros e detalhes em madeira coberta com folhas de ouro. Na sala de jantar, três afrescos: em posição central, a riqueza do proprietário, ladeando essa pintura, mais dois afrescos que representam a colônia chinesa (?) de Bananal. A capela também destaca-se por suas pinturas e detalhes em madeira com folhas de ouro. No mezanino, afrescos com várias representações de Nossa Senhora. No primeiro pavimento, além do altar em estilo barroco e das diversas pinturas, um grande afresco retratando o batismo de Jesus é peça central desse espaço.

Em meados de 1850, no auge da produção cafeeira da província de São Paulo, a Resgate já contava com mais de 400 escravos. Desses, 49 eram destinados ao serviço direto do senhor, sendo: cinco caseiros, 13 cozinheiras, cinco pajens, sete costureiros, um alfaiate, duas amas, oito mucamas, um copeiro, um sapateiro, um barbeiro, duas lavadeiras, uma rendeira, um seleiro e um hortelão. Agora, o primeiro pavimento da casa de vivenda abrigava a senzala das mucamas e, à frente da casa, erguia-se um enorme complexo de senzalas para os demais cativos.

Em 1878, ao falecer, o Comendador Manoel de Aguiar Vallim era uma das maiores fortunas do Brasil Imperial e maior produtor de café da província de São Paulo. Em seu inventário constam as Fazendas Resgate, Três Barras, Independência, Bocaina, além de diversos outros sítios e situações. Tinha quase 400 escravos, além de um palacete de “dezesseis janelas”, casas e o Teatro Santa Cecília com seus acessórios, na cidade de Bananal. Vallim era titular de uma fortuna correspondente a 1% de todo o papel moeda circulante no Brasil, composta por inúmeros títulos da dívida pública (inclusive dos Estados Unidos), bens em ouro, prata e brilhantes.

Contudo, o legado mais importante deixado pelo Comendador Manoel de Aguiar Vallim foi a sede da Fazenda Resgate, tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional e considerada uma das cem mais belas e importantes edificações da história do Brasil.

CASTRO, Hebe Maria Mattos; SCHNOOR, Eduardo. "Resgate: uma janela para o oitocentos". Rio de Janeiro, TOPBOOKS, 1995.

 

 
     
 

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