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Fazenda do
Resgate, Bananal, SP. Foto: Nickson Salem.
O
tráfico de escravos africanos para o
Brasil havia sido proibido, pela primeira
vez, em novembro de 1831. Entretanto, a
lei não foi cumprida com eficiência e a
escravização de africanos prosseguiu com
grande intensidade, apesar da pressão da
Inglaterra para sua interrupção desde
1807, quando abolira o comércio de
escravos em suas colônias.
Em agosto de 1845, visando atualizar de
uma forma mais drástica antigos tratados,
que estabeleciam o direito de busca em
alto mar por navios ingleses, o Parlamento
inglês votou o Bill Aberdeen (projeto de
lei encaminhado por Lord Aberdeen,
Ministro das Relações Exteriores). Alei
declarava legal o apresamento de qualquer
navio empregado no tráfico e dava aos
tribunais do Almirantado da Inglaterra o
poder de julgar os infratores por
pirataria.
Nessa conjuntura, mas procurando evitar
que qualquer medida fosse associada a uma
simples obediência aos interesses
ingleses, em setembro de 1850, o governo
imperial, chefiado pelo Gabinete
Conservador, conseguia aprovar na Câmara e
no Senado, sem significativa oposição. A
Lei 581, um novo limite à continuidade do
tráfico de africanos.
Desde o século XVII ocorriam desembarques
de escravos nos portos da costa verde, de
Sepetiba até Paraty. Até 1759, eram
promovidos pelos padres jesuítas, que
assim obtinham braços escravos para seus
engenhos de cana.
Esses desembarques intensificaram-se no
princípio do século XIX, promovidos
principalmente pelos fazendeiros de café
do Vale do Paraíba, que, de princípio,
ignoraram os termos da Lei 581,
imaginando-a mais uma legislação ditada
"para inglês ver".
Normalmente essas arribadas ocorriam nos
portos de Mangaratiba e Sepetiba, mas com
a proibição, toda costa deserta que
possibilitasse um desembarque passou a ser
utilizada.
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Em 11 de
dezembro de 1852 houve um desembarque
de africanos no porto do Bracuhy,
freguesia da Ribeira, próximo à cidade
de Angra dos Reis. Narra o delegado
que, ao aportar o barco americano
"Camargo", comandado por um capitão
norte-americano, muitas canoas haviam
se aproximado e os africanos
desembarcaram em terras da Fazenda
Santa Rita do Bracuí, de propriedade
do Comendador José de Souza Breves,
irmão do "Rei do Café". A
polícia prendeu vários traficantes
nacionais e estrangeiros, apreendeu
parte da carga de 500 africanos vindos
de Quelimane e Moçambique, bem como
documentação que incriminava muita
gente importante, inclusive o
Comendador Luciano e o Major Nogueira,
figurões de Bananal. |
Os irmãos
Souza Breves: comendadores Joaquim
José e José Joaquim. |
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As
enérgicas medidas tomadas pelo governo
imperial logo tiveram efeito e em 16 de
janeiro de 1853 foram apreendidos 10
africanos boçais, acompanhados de um
escravo ladino, em um rancho aberto, em
terras da Fazenda Resgate, em Bananal.
Logo depois, a 20 do mesmo mês, outros
escravos seriam apreendidos em fazendas da
região. O processo aberto posteriormente
arrolou como acusados alguns dos homens
mais ricos e poderosos do Brasil, dentre
eles o Comendador Joaquim Breves,
dono de 37 fazendas e 27 chácaras, e o
Comendador Manuel de Aguiar Vallin,
proprietário de latifúndios que iam de
Angra dos Reis às Minas Gerais, ambos
conhecidos cafeicultores e chefes do
Partido Conservador. Também foram
indiciados, em fevereiro de 1853, o sogro
de Vallin, o Comendador Luciano José de
Almeida, o Major Antônio José Nogueira e
Pedro Ramos Nogueira, todos grandes
fazendeiros de Bananal.
Na verdade, Aguiar Vallin não chegou a ser
julgado. O processo foi instaurado, as
testemunhas foram ouvidas e Vallin ficou
detido na cadeia (segundo ele próprio, por
livre e espontânea vontade...).
Entretanto, antes do julgamento, o Chefe
de Polícia de São Paulo, Fernandes
Fonseca, aceitou seu recurso e
despronunciou-o.
No final, todos os envolvidos foram
absolvidos,mas o próprio fato de algumas
das
maiores potestades financeiras da nação
terem sido levadas a um tribunal,sendo as
testemunhas contra elas quase todos
escravos, foi um acontecimento inédito no
Brasil.
Vale ressaltar que a imprensa em sua
totalidade ficou ao lado dos fazendeiros
quase que o tempo todo, fazendo alguns
jornais campanha por suas solturas; outros
periódicos, defendiam os nababos nacionais
não contra o ato em si,mas contra o que
era considerado um ultraje à dignidade
nacional o fato de submeter esses homens a
um tribunal que, em última análise, estava
obrigando súditos brasileiros a cumprir
uma lei ditada pelos ingleses.
Seja como for, foi a primeira vez que
autoridades de tal porte foram levadas a
submeter-se a lei e, se o tráfico de
escravos ainda ocorreria ocultamente por
mais alguns anos, ele decresceu até
desaparecer por completo em virtude da
energia empregada pelo governo imperial em
extinguí-lo.
Em 1859, o Comendador Manuel de Aguiar
Vallin solicitou ao governo imperial o
título de Barão de Bananal. O Ministro
Marquês de Abrantes indeferiu o pedido, em
carta de 06 de março de 1859, alegando a
questão negreira do Bracuhy. Nem o
poderoso Vallin, nem o riquíssimo Breves e
nenhum dos outros importantes envolvidos
atingiria a nobreza.
Pesquisa e
redação do Prof. Milton de Mendonça
Teixeira.
História da Fazenda Resgate
Em 1776, o local denominado “o Resgate”,
na Província de São Paulo, quase divisa
com a então Província do Rio de Janeiro,
deu origem ao que anos mais tarde seria a
Fazenda Resgate, no atual município de
Bananal, no Vale do Paraíba paulista. Esse
local pertencia à Fazenda Três Barras,
cabeça de sesmaria do padre Antônio
Fernandes da Cruz.
O Resgate tornou-se uma fazenda em 1828,
como dote de casamento de Alda Rumana de
Oliveira com o coronel Ignácio Gabriel
Monteiro de Barros. Nessa época, a
propriedade produzia toucinho, milho,
feijão, farinha e café (porém em pouca
quantidade) e, além disso, possuía apenas
77 escravos.
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Em 1833, a
Fazenda Resgate foi comprada pelo
senhor José de Aguiar Toledo,
comerciante açoriano (português,
portanto) que chegou ao Brasil em
meados do século XVIII (cerca de
1750). Toledo chega a Bananal no
início do século XIX, trazendo
consigo, de Minas Gerais, a solução
arquitetônica implantada na fazenda e
o pioneirismo no plantio do café em
larga escala na região.
Em 1838, por ocasião do falecimento de
José de Aguiar Toledo, a Fazenda
Resgate e suas demais propriedades são
deixadas como herança para seus oito
filhos. Em pouco tempo, Manoel de
Aguiar Vallim, um dos oito irmãos,
compra dos irmãos suas partes da
fazenda Resgate e estabelece moradia
na propriedade.
Em 1844, O
Comendador Manoel de Aguiar Vallim
casa-se com Domiciana Maria de
Almeida, filha do Comendador Luciano
José de Almeida, dono da Fazenda Boa
Vista e possuidor de uma das maiores
fortunas do Brasil à época. |
Comendador
Manoel de Aguiar Vallim |
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Em
poucos anos, Manoel de Aguiar Vallim
aumentou substancialmente sua fortuna e,
em 1855, resolve fazer uma reforma na casa
de vivenda da Resgate. Assim, o Senhor
Brusce principia as obras no sobrado,
adaptando-o ao estilo neoclássico, tão em
voga em Paris.
A casa, construída em meados do século
XVIII, baseada no estilo senhorial
português (com apenas um pavimento) e
adaptada à solução mineira de produção de
café da primeira metade do século XIX (já
com dois pavimentos, porém sem nenhum
requinte), ganhou fachada neoclássica com
uma escada central em cantaria. Os
materiais de construção empregados na
reforma também diferem daqueles utilizados
em sua construção: o primeiro pavimento é
feito em pedra e pau-a-pique e o segundo
com tijolos de adobe. Contudo, apesar da
fachada em estilo neoclássico, os fundos
da casa estão pousados ao “rés do chão”,
em uma planta em formato de “U” com três
mansardas: duas laterais e uma voltada
para o pátio interno, característico do
partido mineiro. A reforma também abarca o
pátio interno, que recebe nova feição. A
sala de jantar é colocada junto a ele para
fins de arejamento e iluminação, como era
costumeiro nas residências burguesas na
França, idealizando uma nova disposição do
espaço. Essa é uma mudança fundamental nos
parâmetros de moradia do Brasil
oitocentista. Dessa forma, a Fazenda
Resgate transforma-se em um
monumento/documento completamente
preservado da história do Brasil.
A partir de 1858, o pintor espanhol José
Maria Villaronga começa a pintar o segundo
pavimento do casarão da Resgate. No átrio
de entrada encontram-se retratados os
produtos agrícolas da fazenda: em posição
principal o café, circundando-o, a cana, o
milho, o feijão e a mandioca. Na sala de
visitas, em estilo barroco, pássaros
brasileiros e detalhes em madeira coberta
com folhas de ouro. Na sala de jantar,
três afrescos: em posição central, a
riqueza do proprietário, ladeando essa
pintura, mais dois afrescos que
representam a colônia chinesa (?) de
Bananal. A capela também destaca-se por
suas pinturas e detalhes em madeira com
folhas de ouro. No mezanino, afrescos com
várias representações de Nossa Senhora. No
primeiro pavimento, além do altar em
estilo barroco e das diversas pinturas, um
grande afresco retratando o batismo de
Jesus é peça central desse espaço.
Em meados de 1850, no auge da produção
cafeeira da província de São Paulo, a
Resgate já contava com mais de 400
escravos. Desses, 49 eram destinados ao
serviço direto do senhor, sendo: cinco
caseiros, 13 cozinheiras, cinco pajens,
sete costureiros, um alfaiate, duas amas,
oito mucamas, um copeiro, um sapateiro, um
barbeiro, duas lavadeiras, uma rendeira,
um seleiro e um hortelão. Agora, o
primeiro pavimento da casa de vivenda
abrigava a senzala das mucamas e, à frente
da casa, erguia-se um enorme complexo de
senzalas para os demais cativos.
Em 1878, ao falecer, o Comendador Manoel
de Aguiar Vallim era uma das maiores
fortunas do Brasil Imperial e maior
produtor de café da província de São
Paulo. Em seu inventário constam as
Fazendas Resgate, Três Barras,
Independência, Bocaina, além de diversos
outros sítios e situações. Tinha quase 400
escravos, além de um palacete de
“dezesseis janelas”, casas e o Teatro
Santa Cecília com seus acessórios, na
cidade de Bananal. Vallim era titular de
uma fortuna correspondente a 1% de todo o
papel moeda circulante no Brasil, composta
por inúmeros títulos da dívida pública
(inclusive dos Estados Unidos), bens em
ouro, prata e brilhantes.
Contudo, o legado mais importante deixado
pelo Comendador Manoel de Aguiar Vallim
foi a sede da Fazenda Resgate, tombada
pelo Patrimônio Histórico Nacional e
considerada uma das cem mais belas e
importantes edificações da história do
Brasil.
CASTRO, Hebe Maria Mattos; SCHNOOR,
Eduardo. "Resgate: uma janela para o
oitocentos". Rio de Janeiro, TOPBOOKS,
1995.
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