Prisão de um
navio que traficava ilegalmente africanos "boçaes" pela marambaia.
A região sul fluminense, no
contexto da demografia do tráfico teve um relevante papel como área
estratégica, à medida que se tornou uma zona desprovida dos rigores
da lei, quanto à fiscalização das condições subumanas das
embarcações e todo aparelho burocrático para a prévia regularização
do exercício da atividade do tráfico legal. Assim como a região é
composta geograficamente de três baías, uma faixa de restinga e uma
série de ilhas, que compõem um cenário perfeito e estratégico, para
desembarques ilegais de escravos.
O fim do tráfico teve conseqüências
políticas. Substancialmente os gabinetes da Côrte estavam ligados
aos interesses dos cafeicultores do Vale do Paraíba. Dentre eles,
destacava-se a pessoa de Joaquim José de Souza Breves, que era
Deputado Provincial e defensor da estrutura oligárquica imperial e
escravista. Ele lutou na Revolução Liberal de 1842 pela permanência
do ministério liberal no governo e em cargos provinciais.
As cotações internacionais do café
impulsionaram um frenético ritmo de mão-de-obra escrava. Desta
forma, seguiu-se um rosário de lamentações por parte dos
cafeicultores e traficantes, devido à ação inglesa em 1831, que
proibia o tráfico internacional. A ação dos traficantes seguiu
livremente até 1850. Apesar das apreensões feitas por navios de
guerra britânicos, o tráfico ilegal continuou impunemente na região
sul fluminense até 1888.
Após 1850, Joaquim Breves continuou
importando ilegalmente africanos para o Brasil. A prisão do navio
Golfinho, que desembarcou clandestinamente mais de 199 escravos
boçais pelas praias da Ilha da Marambaia revela o quanto ele se
punha acima da lei, praticando o tráfico ilegal.
O Chefe de Polícia, Sr. Azambuja
dirige uma bem sucedida investigação na propriedade de Joaquim
Breves com a finalidade de encontrar indícios sobre sua participação
em mais um desembarque de africanos:
"Tendo eu recebido no dia 31 à
tarde, ordem do Governo Chefe de Polícia Interino da Província do
Rio de Janeiro embarcar imediatamente no
vapor
Golfinho, comandado pelo Capitão Tenente Henrique Hoffsmith, afim de
improceder a aprehensão de africanos boçais na Ilha da Marambaia em
virtude da denuncia que tivera, assim o cumpri embarcando, e por
constar que os africanos, em busca dos quaés eu ia, já havião
desembarcados para as bandas da Guaratiba...".
Este documento é revelador em suas
primeiras linhas por mostrar o grau de envolvimento do "Rei do Café"
nesta prática. Mais adiante veremos isso claramente. O Sr. Azambuja
apresenta outros indícios que confirmam este envolvimento:
"...os negociantes da Mangaratiba
Antônio Lourenço Torres e João José dos Santos Breves, alegando que
Joaquim Breves ainda ficava encomendando [escravos]..."
O chefe da polícia desvelou,
através de "denúncia", mais um desembarque clandestino de africanos.
Com isso, o tráfico, que era um ângulo pouco conhecido da história
da Província do Rio de Janeiro, se confunde com a ascensão da
agricultora na segunda metade do século XIX no Vale do Paraíba
Fluminense. Segundo o depoimento de Joaquim Breves, não aconteceu
"desembarque de africanos" em sua propriedade. A todo o momento seu
argumento visava convencer o chefe de polícia sobre o seu não
envolvimento:
"... e sabendo o mesmo Joaquim
Breves o fim da diligencia, assegurou-me que ali não tinha
desembarque de africanos, offerecendo-me a sua casa, para eu e as
pesôas, que comigo se achavão descarçarmos, e até mesmo para
almoçarmos...[...]... [Joaquim Breves] voltava a conversar sobre o
assumpto da diligência, e a assegurar que elle respeitando as Leis
do Paiz, e as ordens do governo actual, não consentia desembarque
nas praias de sua propriedade...".
Não se convencendo com o argumento
do comendador, o Sr. Azambuja mantém as investigações. À medida que
as investigações iam prosseguindo, iam também se confirmando o
envolvimento do Rei do Café:
"... até segunda ordem, entendeu eu
não haver motivo ainda sufficiente para ordenar a captura d'alguem...[...]...eu
esperava para informar-me das ultimas occurências...[...]...Entendendo
segui immediatamente para o lugar do desembarque na praia, onde
achei de baixo da guarda uma porção de africanos boçaes que o
tenente já referido havia encontrado em uma roça, e em acção de
fugir da sua presença...[...]... e suspeito serem dos desembarcados
de próximo... ".
Todos os indícios sustentavam o
envolvimento de Joaquim Breves nesse desembarque. Entretanto o
relatório ia se construindo e o chefe de polícia se convencendo que
o desembarque tinha realmente ocorrido:
"[...]... havendo eu [Azambuja]
ordenado também ao mesmo Tenente que se com effeito Joaquim Breves
não apparecesse, fizesse todas as diligencias para que no caso de
ser depois encontrado em qualquer parte fosse preso e conduzido á
minha presença...[...]...forão encontrados africanos que dirigidos
por um escravo ladino como capatar, procuravão correr e esconder-se,
e não tendo n'esse dignessão encontrado o dono da ilha, nem noticias
d'elle, voltarão para bordo pelas 6 horas pouco mais trazendo
consigo trinta africanos boçaes (30)...".
Totalmente convencido do
desembarque, a partir das últimas informações, o chefe de polícia,
delibera uma ordem que expressa mais do que nunca não só o
envolvimento por esta ilha, mas também por todo litoral do sul da
província como veremos abaixo:
"...seguindo as ordens que eu havia
recebido communiquei o resultado da diligencia, fazendo ver a
necessidade de se não perder de vista aquele litoral, afim de
obstar-se a passagem para terra firme dos africanos boçaes que ainda
existão internados na Ilha da Marambaia, fazendo-se as devidas
aprrehensão...".
Seu parecer final sobre as
investigações, mostrou claramente que Joaquim Breves esteve
envolvido neste desembarque. Os dois últimos parágrafos do relatório
exprimem bem este envolvimento. O que outrora foi apenas indícios,
acabou se confirmando através das investigações. O resultado foi
favorável e satisfatório segundo o chefe da polícia. Outras pessoas
foram interrogadas. Mais africanos boçais foram apreendidos e que
através deles, outro envolvidos poderiam aparecer:
"... e antes de desembarcar ponho a
disposição de V.Sa. cento e noventa e nove africanos boçaes [199], a
saber cento e oitenta e dois [182] do sexo masculino e dezessete
[17] do sexo feminino...[...]...De todas as pessoas que me
acompanharão na diligencia poderá V.Sa. obter esclarecimento de que
precizar, e por intermedio de africanos boçaes, de que acima fiz
menção, e que servia de lingua aos outros, conseguirá V.Sa. melhor
orientar-se...".
Luís Carlos de Freitas, O
"Rei do Café" nos Cenários da Escravidão. Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de
Pós-Graduação de História, Mestrado em História Social da Cultura.
Campinas, Junho/2002.
Dados sobre o Vapor Golfinho
Lançamento: 1850
Incorporação: 8 de julho de 1850
Baixa: 19 de janeiro de 1857
Características:
Deslocamento: 330 ton.
Dimensões: 51.8 m de comprimento, 6.09 m de boca.
Propulsão: motor de 160 hp.
Armamento: 2 colubrinas de calibre 30.
Histórico:
O Vapor Golfinho, ex-Serpente, foi o segundo navio da Marinha do
Brasil a ostentar esse nome em homenagem ao Cetáceo Marinho
Delphinus Procoena. Foi construído no Estaleiro da Saúde no Rio de
Janeiro em 1850. Foi comprado de Tomás da Costa Ramos por
160:000$000. Foi submetido a Mostra de Armamento em 8 de julho de
1850. Naquela ocasião, assumiu o comando o Capitão-Tenente Henrique
Hoffsmith, nomeado em 2 de julho de 1850.
O Golfinho, também figurou nas listas oficiais como Corveta a Vapor.
1851
Em 2 de fevereiro, aprisionou, na Marambaia, e conduziu para o Rio
de Janeiro 368 africanos, desembarcados de um Patacho, que encalhara
na restinga, acossado pela Corveta Bertioga e pelo Brigue-Escuna
Andorinha.
Em março, partiu do Rio de Janeiro, integrando a Esquadra sob o
comando do Chefe-de-Esquadra John Pascoe Grenfell, que bloqueou
Montevideo, para interceptar a retirada do caudilho Oribe, cujas
forças capitularam em 11 de outubro do mesmo ano.
1857
Deu baixa pelo Aviso de 19 de janeiro de 1857.
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