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O desembarque de africanos na Marambaia

2 de fevereiro de 1851

Escravos na plantação, Marc Ferrez.


Prisão de um navio que traficava ilegalmente africanos "boçaes" pela marambaia.

A região sul fluminense, no contexto da demografia do tráfico teve um relevante papel como área estratégica, à medida que se tornou uma zona desprovida dos rigores da lei, quanto à fiscalização das condições subumanas das embarcações e todo aparelho burocrático para a prévia regularização do exercício da atividade do tráfico legal. Assim como a região é composta geograficamente de três baías, uma faixa de restinga e uma série de ilhas, que compõem um cenário perfeito e estratégico, para desembarques ilegais de escravos.

O fim do tráfico teve conseqüências políticas. Substancialmente os gabinetes da Côrte estavam ligados aos interesses dos cafeicultores do Vale do Paraíba. Dentre eles, destacava-se a pessoa de Joaquim José de Souza Breves, que era Deputado Provincial e defensor da estrutura oligárquica imperial e escravista. Ele lutou na Revolução Liberal de 1842 pela permanência do ministério liberal no governo e em cargos provinciais.

As cotações internacionais do café impulsionaram um frenético ritmo de mão-de-obra escrava. Desta forma, seguiu-se um rosário de lamentações por parte dos cafeicultores e traficantes, devido à ação inglesa em 1831, que proibia o tráfico internacional. A ação dos traficantes seguiu livremente até 1850. Apesar das apreensões feitas por navios de guerra britânicos, o tráfico ilegal continuou impunemente na região sul fluminense até 1888.

Após 1850, Joaquim Breves continuou importando ilegalmente africanos para o Brasil. A prisão do navio Golfinho, que desembarcou clandestinamente mais de 199 escravos boçais pelas praias da Ilha da Marambaia revela o quanto ele se punha acima da lei, praticando o tráfico ilegal.

O Chefe de Polícia, Sr. Azambuja dirige uma bem sucedida investigação na propriedade de Joaquim Breves com a finalidade de encontrar indícios sobre sua participação em mais um desembarque de africanos:

"Tendo eu recebido no dia 31 à tarde, ordem do Governo Chefe de Polícia Interino da Província do Rio de Janeiro embarcar imediatamente no vapor Golfinho, comandado pelo Capitão Tenente Henrique Hoffsmith, afim de improceder a aprehensão de africanos boçais na Ilha da Marambaia em virtude da denuncia que tivera, assim o cumpri embarcando, e por constar que os africanos, em busca dos quaés eu ia, já havião desembarcados para as bandas da Guaratiba...".

Este documento é revelador em suas primeiras linhas por mostrar o grau de envolvimento do "Rei do Café" nesta prática. Mais adiante veremos isso claramente. O Sr. Azambuja apresenta outros indícios que confirmam este envolvimento:

"...os negociantes da Mangaratiba Antônio Lourenço Torres e João José dos Santos Breves, alegando que Joaquim Breves ainda ficava encomendando [escravos]..."

O chefe da polícia desvelou, através de "denúncia", mais um desembarque clandestino de africanos. Com isso, o tráfico, que era um ângulo pouco conhecido da história da Província do Rio de Janeiro, se confunde com a ascensão da agricultora na segunda metade do século XIX no Vale do Paraíba Fluminense. Segundo o depoimento de Joaquim Breves, não aconteceu "desembarque de africanos" em sua propriedade. A todo o momento seu argumento visava convencer o chefe de polícia sobre o seu não envolvimento:

"... e sabendo o mesmo Joaquim Breves o fim da diligencia, assegurou-me que ali não tinha desembarque de africanos, offerecendo-me a sua casa, para eu e as pesôas, que comigo se achavão descarçarmos, e até mesmo para almoçarmos...[...]... [Joaquim Breves] voltava a conversar sobre o assumpto da diligência, e a assegurar que elle respeitando as Leis do Paiz, e as ordens do governo actual, não consentia desembarque nas praias de sua propriedade...".

Não se convencendo com o argumento do comendador, o Sr. Azambuja mantém as investigações. À medida que as investigações iam prosseguindo, iam também se confirmando o envolvimento do Rei do Café:

"... até segunda ordem, entendeu eu não haver motivo ainda sufficiente para ordenar a captura d'alguem...[...]...eu esperava para informar-me das ultimas occurências...[...]...Entendendo segui immediatamente para o lugar do desembarque na praia, onde achei de baixo da guarda uma porção de africanos boçaes que o tenente já referido havia encontrado em uma roça, e em acção de fugir da sua presença...[...]... e suspeito serem dos desembarcados de próximo... ".

Todos os indícios sustentavam o envolvimento de Joaquim Breves nesse desembarque. Entretanto o relatório ia se construindo e o chefe de polícia se convencendo que o desembarque tinha realmente ocorrido:

"[...]... havendo eu [Azambuja] ordenado também ao mesmo Tenente que se com effeito Joaquim Breves não apparecesse, fizesse todas as diligencias para que no caso de ser depois encontrado em qualquer parte fosse preso e conduzido á minha presença...[...]...forão encontrados africanos que dirigidos por um escravo ladino como capatar, procuravão correr e esconder-se, e não tendo n'esse dignessão encontrado o dono da ilha, nem noticias d'elle, voltarão para bordo pelas 6 horas pouco mais trazendo consigo trinta africanos boçaes (30)...".

Totalmente convencido do desembarque, a partir das últimas informações, o chefe de polícia, delibera uma ordem que expressa mais do que nunca não só o envolvimento por esta ilha, mas também por todo litoral do sul da província como veremos abaixo:

"...seguindo as ordens que eu havia recebido communiquei o resultado da diligencia, fazendo ver a necessidade de se não perder de vista aquele litoral, afim de obstar-se a passagem para terra firme dos africanos boçaes que ainda existão internados na Ilha da Marambaia, fazendo-se as devidas aprrehensão...".

Seu parecer final sobre as investigações, mostrou claramente que Joaquim Breves esteve envolvido neste desembarque. Os dois últimos parágrafos do relatório exprimem bem este envolvimento. O que outrora foi apenas indícios, acabou se confirmando através das investigações. O resultado foi favorável e satisfatório segundo o chefe da polícia. Outras pessoas foram interrogadas. Mais africanos boçais foram apreendidos e que através deles, outro envolvidos poderiam aparecer:

"... e antes de desembarcar ponho a disposição de V.Sa. cento e noventa e nove africanos boçaes [199], a saber cento e oitenta e dois [182] do sexo masculino e dezessete [17] do sexo feminino...[...]...De todas as pessoas que me acompanharão na diligencia poderá V.Sa. obter esclarecimento de que precizar, e por intermedio de africanos boçaes, de que acima fiz menção, e que servia de lingua aos outros, conseguirá V.Sa. melhor orientar-se...".

Luís Carlos de Freitas, O "Rei do Café" nos Cenários da Escravidão. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação de História, Mestrado em História Social da Cultura. Campinas, Junho/2002.


Dados sobre o Vapor Golfinho

Lançamento: 1850
Incorporação: 8 de julho de 1850
Baixa: 19 de janeiro de 1857

Características:

Deslocamento: 330 ton.
Dimensões: 51.8 m de comprimento, 6.09 m de boca.
Propulsão: motor de 160 hp.
Armamento: 2 colubrinas de calibre 30.

Histórico:

O Vapor Golfinho, ex-Serpente, foi o segundo navio da Marinha do Brasil a ostentar esse nome em homenagem ao Cetáceo Marinho Delphinus Procoena. Foi construído no Estaleiro da Saúde no Rio de Janeiro em 1850. Foi comprado de Tomás da Costa Ramos por 160:000$000. Foi submetido a Mostra de Armamento em 8 de julho de 1850. Naquela ocasião, assumiu o comando o Capitão-Tenente Henrique Hoffsmith, nomeado em 2 de julho de 1850.
O Golfinho, também figurou nas listas oficiais como Corveta a Vapor.

1851

Em 2 de fevereiro, aprisionou, na Marambaia, e conduziu para o Rio de Janeiro 368 africanos, desembarcados de um Patacho, que encalhara na restinga, acossado pela Corveta Bertioga e pelo Brigue-Escuna Andorinha.


Em março, partiu do Rio de Janeiro, integrando a Esquadra sob o comando do Chefe-de-Esquadra John Pascoe Grenfell, que bloqueou Montevideo, para interceptar a retirada do caudilho Oribe, cujas forças capitularam em 11 de outubro do mesmo ano.

1857

Deu baixa pelo Aviso de 19 de janeiro de 1857.

 

 

 

 

     

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