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O reino da Marambaia.
Porta de entrada dos escravos. |
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A pedra da Conquista |
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Pai João
costumava sentar-se na laje lisa da Pedra
da Conquista, na praia do Saí. Era o
escravo mais velho da Fazenda dos Breves.
Olhava vagamente o mar verde e calmo,
enquanto pensava na idéia fixa que há
muitos meses não lhe deixava se quer um
momento de sossego... Olhava o mar de
esmeraldas, e lembrava que o seu senhor
tinha embarcado na canoa segura e grande,
de nome "Flor dos Mares", que o levaria,
juntamente coma Sinhá, de volta para a
capital do Império, fazendo escala na
Marambaia. O feitor também seguiria na
embarcação. Pai João acreditava que havia
chegado o momento. Olhava fixamente a
Marambaia, cuja silhueta lembrava a sua
antiga terra, a ardente Angola, no outro
lado do oceano, na África. Só que,
diferente da sua terra, onde ainda se
recordava da vida livre na aldeia,
Marambaia era ainda o lugar em que se
chegavam os navios clandestinos, trazendo
os negros para trabalhar, sofrer, e morrer
nas terras dos coronéis e barões do
café.Apesar de já ter sido assinada a lei
de proibição do tráfico de escravos no
Brasil, ainda assim a negra mercadoria de
gente africana continuava a chegar
escondida em barcos de todos os feitios e
tamanhos àquela fazenda do Comendador
Breves na Marambaia, do outro lado da
baia, onde ficava o Capitão Mata-Gente,
homem muito violento e temido, empregado
do Sinhô. Pai João lembrava ali, sentado à
Pedra da Conquista, dos seus dias de
infância descuidada do tempo, sua infernal
viagem aprisionado num navio de piratas,
sua venda no leilão do Trapiche dos
Moraes, no Saco de Cima e sua instalação
na fazenda do Saí. Viveu muitos anos
sossegado naquelas terras, onde foi
autorizado pelo seu sinhô a casar-se com
uma índia, também escrava, tendo filhos e
uma linda neta , de nome Maria que já era
moça. Após a morte do antigo feitor, tudo
mudou com a chegada de um outro admitido
na fazenda. Chamava-se seu Manoel. Homem
de gênio ruim e de má índole, que por
qualquer motivo até mesmo sem motivo
algum, castigava os escravos de uma forma
muito cruel. Muitos morreram no tronco,
nas mãos desse perverso feitor, nos golpes
do "bacalhau", inclusive os filhos de Pai
João. Para piorar, seu Manoel não tirava
os olhos de Maria e já havia dito que
assim que o patrão viajasse, a moça iria
morar com ele. Agora, olhando o barco do
Sinhô sumindo no horizonte, Pai João
achava que já era hora de dar um basta
naquele tratamento desumano que os negros
vinham sofrendo na mão do feitor. A
senzala estava a m passo de estourar uma
revolta. Deu um assovio bem forte e
apareceu um negrinho. A sua ordem era que
chamasse toda a população escrava da
fazenda pra ouvi-lo – todos obedeciam a
Pai João. Quando os escravos chegaram, ele
falou que o feitor não merecia mais
continuar vivendo. Tinham que se juntar,
esperar a volta do barco "Flor dos Mares",
agarrar de surpresa o seu Manoel e
executa-lo pelos crimes e maldades que
cometeu.Todos concordaram. Passando horas
de espera, a canoa apareceu na ponta da
Guaíba. Os negros aceleraram os
preparativos para a recepção do feitor.
Assim que a canoa aportou seu Manoel
desceu com o chicote em punho, como de
costume, e começou a gritar que não estava
gostando daquela reunião na praia. Dois
negros fortes agarraram-no pelo braço, sem
chance de reação. Foi desarmado e obrigado
a sentar-se na pedra da Conquista, cercado
pelos escravos da fazenda. Começava ali
seu julgamento. Falou Pai João, olhando
nos olhos do feitor, que ele ia morrer
para pagar toda a maldade que havia feito
naquela fazenda, desde que chegou, por
todos os negros que morreram sem motivo,
inclusive seu filho; por todas ass negras
que violentou. Estava na hora de partir
para o inferno. Os negros e negras que ali
estavam, gritavam com enxadas, foices e
facões em torno de seu Manoel. Sem aquela
arrogância costumeira, ele pedia perdão e
jurava ir embora para sempre daquele
lugar. Mas nada adiantou.Os escravos
sabiam que aquela palavra de feitor não
valia a cachaça que bebiam. Além disso, o
que tinham começado a fazer, não tinha
volta. Amarraram uma corda no pescoço do
feitor, que gritava, xingava, ameaçava com
as severas punições do Comendador Breves.
A outra ponta da corda foi amarrada a uma
pedra. Os escravos colocaram o feitor no
barco "Flor dos Mares" e remaram até o
meio da baía de Sepetiba. Então, atiraram
Manoel no fundo do mar, sem dó nem
piedade. Pai João reuniu os escravos e
juntos arrombaram a casa da fazenda,
retirando vinhos e comidas do patrão. Era
tanta comida e tão diferente, eu eles
nunca tinham visto na sua frente, nem em
tempo de festa no povoado. Todos seguiram
para o penhasco do Saí, no alto da Pedra
da Conquista, mais de cem metros de
altura. Fizeram uma festa, comemorando o
feito, com batuque, jongo e cateretê, que
entrou madrugada adentro. No outro dia bem
cedo, ainda no alto da pedra do Saí, Pai
João reuniu crianças, mulheres, homens;
amarrou-os com um cipó, pulso a pulso,
tendo ele à frente. Encaminhou-se para o
abismo, sem protestar, cantando e
dançando. Todos caíram no precipício.
Ninguém escapou da pedra do Banquete.
(História
tradicional da Ilha da Marambaia,
compilada por Vânia Guerra) |
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Aloysio Clemente M. I. de J. Breves Beiler
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