Veteranos da senzala

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Fazenda do Salto Pequeno

Pertenceu ao comendador Francisco Gonçalves de Moraes. Uma das muitas propriedades do barão do Piraí.

 

O Jongo

Aos poucos a minha atenção voltava-se para alguma coisa que não podia compreender.

Por quê deixaram fugir os escravos, no treze de maio?

Por quê não os prenderam no tronco?

Se tivessem feito isso, os cafezáis não teriam debandado dos morros pelados; os bicâmes não estariam entupidos de areia e lodo; a grande roda do engenho não empacaria com os despolpadores cheios de palha, as tulhas estourando de grãos.

Aquelas fazendas não seriam mal assombradas.

Mas, se não puderam segurar os que fugiram, por que não continuaram cativos os que ficaram?

Muitas vezes xinguei meu avô de “banana”.

Deixára que os negros tomassem conta de tudo; que os moleques passassem, engatinhando, da cozinha para a sala de jantar; que fizessem fila no banho de açude, misturados com os meninos da casa grande: os menores na frente, os maiores atrás, êle por último.

Acabei confuso, pois os prêtos não eram máus.

Dava pena a humildade com que recebiam a comida.

Enquanto as colheres de pau enchiam as cúias, só encontravam palavras de gratidão:

- Sôs Cristo abençôe sinhô!

Retiravam-se em silêncio, arrastando os pés, pitando o catimbáu que acendiam no braseiro, entre as pedras dos tachos.

Por serem velhos, tinham um tratamento familiar: tio Lourenço, tio Apolinário, tio Jacó, tio Custódio, tia Bela, tia Miguelina, tia Pulquéria...

Na época da plantação acudiam no potirão.

Ficavam no eito, de madrugada ao anoitecer.

Paga era o jantar de ensopado de cabrito, nacos de carne sêca no feijão, paratí.

À noite faziam o pagóde, dançando o jongo.

Em volta da fogueira, mãos calejadas arrancavam rufos selvagens do tambor mestre e do tamborim.

Então, aquelas carapinhas quase brancas, os pés inchados, olhos amortecidos pelo banzo, reencontravam a alma que errava nos cafundós da terra natal: animavam-se no saracoteio, aparando as umbigadas da Maria Goma – a mina mais assanhada e cachaceira que conheci.

 
 
  Extraído de O Reino da Marambaia. BREVES, Armando de Moraes, Rio Gráfica Olímpica Editora, Ltda. Rio de Janeiro, 1966.  
     
 

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