O
Jongo
Aos poucos a
minha atenção voltava-se para alguma coisa que não podia
compreender.
Por quê
deixaram fugir os escravos, no treze de maio?
Por quê não
os prenderam no tronco?
Se tivessem
feito isso, os cafezáis não teriam debandado dos morros pelados;
os bicâmes não estariam entupidos de areia e lodo; a grande roda
do engenho não empacaria com os despolpadores cheios de palha,
as tulhas estourando de grãos.
Aquelas
fazendas não seriam mal assombradas.
Mas, se não
puderam segurar os que fugiram, por que não continuaram cativos
os que ficaram?
Muitas vezes
xinguei meu avô de “banana”.
Deixára que
os negros tomassem conta de tudo; que os moleques passassem,
engatinhando, da cozinha para a sala de jantar; que fizessem
fila no banho de açude, misturados com os meninos da casa
grande: os menores na frente, os maiores atrás, êle por último.
Acabei
confuso, pois os prêtos não eram máus.
Dava pena a
humildade com que recebiam a comida.
Enquanto as
colheres de pau enchiam as cúias, só encontravam palavras de
gratidão:
- Sôs Cristo
abençôe sinhô!
Retiravam-se
em silêncio, arrastando os pés, pitando o catimbáu que acendiam
no braseiro, entre as pedras dos tachos.
Por serem
velhos, tinham um tratamento familiar: tio Lourenço, tio
Apolinário, tio Jacó, tio Custódio, tia Bela, tia Miguelina, tia
Pulquéria...
Na época da
plantação acudiam no potirão.
Ficavam no
eito, de madrugada ao anoitecer.
Paga era o
jantar de ensopado de cabrito, nacos de carne sêca no feijão,
paratí.
À noite
faziam o pagóde, dançando o jongo.
Em volta da
fogueira, mãos calejadas arrancavam rufos selvagens do tambor
mestre e do tamborim.
Então,
aquelas carapinhas quase brancas, os pés inchados, olhos
amortecidos pelo banzo, reencontravam a alma que errava nos
cafundós da terra natal: animavam-se no saracoteio, aparando as
umbigadas da Maria Goma – a mina mais assanhada e cachaceira que
conheci. |