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São José do
Pinheiro, 14 de julho de 1865
Acabo de passar dois ou três
dias da semana muito agradavelmente. Alguns amigos me decidiram
a visitar juntamente com eles uma das maiores fazendas da
vizinhança do Rio, propriedade do Comendador Souza Breves (José
de Souza Breves, irmão do "rei do café"). Em quatro horas, a
Estrada de Ferro Dom Pedro II nos leva à Barra do Piraí; depois
continuamos mansamente nossa caminhada, montados em burros, ao
longo das margens do Paraíba, através de uma paisagem calma e
muito linda, menos pitoresca entretanto que a que cerca o Rio.
Ao por do sol chegamos à fazenda situada numa esplanada que
domina o rio e donde se abrange encantadora perspectiva de águas
e florestas.
Acolhem-nos com uma hospitalidade que dificilmente, penso,
encontrará equivalente fora do Brasil. Não se pergunta quem
sois, donde vindes, e abrem-vos todas as portas. Desta vez
éramos esperados; mas não é menos verdadeiro que, nessas
fazendas onde há lugar à mesa para cem pessoas, se necessário
for, todo viajante que passe é livre de parar para ter pouso e
refeição. Vimos vários desses hóspedes de passagem: um casal,
entre outros, absolutamente desconhecidos dos donos da casa, que
ficara por uma noite, mas que a doença tinha surpreendido antes
da partida, prolongava a sua estada havia perto de uma semana;
essas pessoas pareciam estar inteiramente em sua casa. Contam-se
nesta propriedade cêrca de dois mil escravos, dos quais uns
trinta são empregados no serviço doméstico.
Fazenda do
Pinheiro - Pinheiral, RJ
A habitação encerra tudo o que é necessário às exigências duma
população tão numerosa: há farmácia e hospital, cozinhas para os
hóspedes e para os negros, uma capela, um padre, um médico. A
capela é um pequeno oratório somente aberto para as cerimônias e
adornado com muita elegância, com vasos de ouro e de prata,
tendo uma toalha de altar em seda vermelha, etc..
Situa-se na extremidade de uma sala muito comprida, que, embora
utilizada para os misteres, torna-se, durante as missas o ponto
de reunião de todos os habitantes da fazenda. A dona da casa nos
levou a visitar, certa manhã os diversos locais de trabalho. O
que mais nos interessou foi a sala em que as meninas aprendem
costura. Admiro-me que não se tenha cuidado mais, nas nossa
plantações do Sul, em tornar as prêtas um pouco hábeis nesse
mister. Aqui todas as meninas aprendem a costurar muito bem e
muitas delas bordam e fazem rendas com perfeição. Em frente a
essa sala, vimos uma oficina de roupas, que pareceu bastante
semelhante à nossos "sanitary rooms" (grandes oficinas
improvisadas, durante a guerra, pelas senhoras norte-americanas,
para a confecção de roupas, etc., destinadas aos doentes - Nota
da tradução francesa), com suas peças de lã ou de algodão, que
as negras cortavam e costuravam para os trabalhadores do campo.
As cozinhas, as oficinas e os quartos dos negros circundam um
terreiro espaçoso plantado de árvores e de arbustos, em volta do
qual há uma passagem coberta, calçada de tijolos. Aí os prêtos,
jovens e velhos, pareciam um formigueiro; desde a velha
ressequida que se gabava de ter cem anos, mas não mostrava com
menor orgulho seu fino trabalho de renda e corria como menina
para que se visse como era ainda ativa, até os garotinhos, todos
nus, que engatinhavam a seus pés. Esta velha recebera a sua
liberdade havia muito tempo, mas, por dedicação à família dos
antigos senhores, nunca a quis deixar. São fatos que dão à
escravidão no Brasil uma fisionomia consoladora e permitem
esperar muita coisa. A emancipação geral é aqui considerada como
um tema para discutir, o regular por lei a ser adotado. Fazer
presente a um escravo da sua liberdade nada tem de
extraordinário.
À noite, quando depois do jantar tomávamos o café na varanda,
uma orquestra composta de escravos (Banda do Pinheiro, onde
tocavam os escravos Bruno, Bevenuto, Brás, entre outros)
pertencentes à fazenda nos proporcionou boa música. A paixão dos
negros por essa arte é fato notado em toda parte; esforçam-se
muito aqui para aprendê-la, e o Sr. Breves mantém em sua casa um
professor a quem os alunos na verdade, fazem honra.
No fim da noite os músicos foram introduzidos nas salas e
tivemos um espetáculo de dança, dado por negrinhos que eram dos
mais cômicos. Como diabretes, dançavam com tal rapidez de
movimentos, com tal impulso de vida e alegria espontânea, que
era impossível não os acompanhar. Enquanto durou o baile, portas
e janelas se achavam obstruídas por uma nuvem de vultos prêtos,
no meio do qual se destacavam aqui e ali uns rostos quase
brancos, pois aqui, como em toda parte, a escravidão acarreta
suas fatais e deploráveis consequências, e escravos brancos não
são raridade extraordinária
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