As cidades do café

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  Foto: Coleção Prefeitura Municipal de Angra dos Reis.  
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Capítulo II

 
     
  Nossa Senhora da Conceição de Angra dos Reis da Ilha Grande  
     
 

Porto do café e do tráfico de escravos (1ª Metade do Século XIX)

As localidades de São João Marcos (alto vale do rio Pirai) e Resende (vale do Paraíba) se tornaram centros irradiadores de atividade agrícola, primeiro da cana de açúcar e, mais tarde, do café (por volta de 1770/1780). Enquanto a cana ocupava as várzeas dos rios, o café foi ocupando a meia encosta dos morros e os trechos melhor drenados dos vales, iniciando o primeiro grande ciclo de desmatamento da Mata Atlântica na região.

A nova frente agrícola provocou um intenso movimento de apropriação de terras devolutas e, com ela, a expansão do povoamento. S.João Marcos (fundada em 1733) foi elevada a Comarca em 1804, e vila em 1811, com o nome de S.João do Príncipe. Resende (ex-Campo Alegre), foco originário do grande ciclo do café no vale do Paraíba (c.1770), é elevada a vila, em 1801 e à cidade em 1848. Bananal, fundada em 1783 e pertencente à Paróquia de Lorena (S.Paulo), tornou-se vila em 1832, e cidade em 1849.

Foto: Coleção Prefeitura Municipal de Angra dos Reis.
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Já a antiga povoação de Rio Claro (ex-Itaverá) pertencia ao primitivo território de S.João Marcos. Ao contrário do passado, o sentido da nova frente de colonização não foi a partir de Angra e sim do vale do Piraí. Antigo ponto de registro do ouro (1733), Rio Claro se localizava na confluência da "estrada de barro" do Ariró com um dos rios formadores do Piraí. A povoação se tornou freguesia em 1839, e vila em 1848, graças ao intenso tráfico de mercadorias pelo alto Piraí, por onde descia a produção de Minas, e até mesmo de Goiás, para o porto de Angra. No final do século XIX, já em plena decadência do café no vale do Piraí, os papeis já estavam invertidos, S.João Marcos (ou S.João do Príncipe) se subordinando a Rio Claro (1891).

Pelo vale do Ariró passava a "estrada de barro", à margem da qual surgiu, na primeira metade do século XIX, S.Antonio do Capivari (hoje Lídice), no caminho em direção à S.João Marcos. Passavam também pelo vale as estradas do Caramujo (em direção à Bananal), e a "estrada João de Oliveira", que desembocava na foz do rio Jurumim. O vale do rio Bracuí era outro caminho que subia a serra em direção à Bananal. Pelo vale do Mambucaba uma trilha articulada à navegação fluvial no baixo Mambucaba, atravessava a Serra da Bocaina em direção a Areias.

Em função dessa rede de trilhas, caminhos e estradas, o porto de Angra dos Reis se tornou o escoadouro dos cafeicultores do sul de Minas, Barra Mansa, e, mais modestamente, de Resende. Era o segundo maior porto do Brasil Meridional, em meados do século XIX. Não só escoava o café oriundo do vale do Paraíba e dos pequenos vales do litoral angrense, como se tornou um dos grandes receptadores da mão de obra escrava procedente da África e de outras regiões do Brasil, já num período de ilegalidade do tráfico negreiro (o tráfico transatlântico de escravos foi proibido na primeira metade do século XIX por imposição da Inglaterra). No apogeu da cultura do café, a região de Angra dos Reis (compreendendo o litoral e a área interiorana até o vale do Paraíba) produzia entre 5 e 10% do total da produção de café na província do Rio de Janeiro.

Foto: Coleção Prefeitura Municipal de Angra dos Reis.
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Por essa época, o porto de Mangaratiba já concorria com o de Angra: um dos mais poderosos cafeicultores de S.João Marcos (e do Brasil), que acumulou capital, quando jovem, como traficante de escravos em Angra dos Reis, Joaquim José de Souza Breves (o "rei do café") lá construiu um porto de embarque de café, e outro de desembarque de escravos na Restinga da Marambaia, com isso canalizando uma grande parte da produção regional. Assinala-se que Joaquim Breves foi proprietário de terras em toda a região sul do atual estado do Rio de Janeiro, inclusive na planície do Bracuí. Pertencia, originalmente, a esse fazendeiro, a propriedade onde foi implantado o Engenho de Bracuí, cujas ruínas ainda podem ser visitadas hoje.

Na primeira metade do século XIX, além dos portos de Angra dos Reis, Paraty, e Mangaratiba, desenvolveram-se pequenos portos em Jurumim, Ariró, Itanema, Frade, Mambucaba e Abraão. No inicio do século, Mambucaba se tornou Paróquia (1809), depois Freguesia (1811). Nesse momento dominava, segundo Ayres de Casal, a produção de cana de açúcar (para a indústria de aguardente), café, arroz, mel, e outros gêneros alimentícios. O ponto máximo de progresso atingido por Mambucaba foi, provavelmente, depois de 1830, quando a expansão do café em Areias e Bananal alimentou o contrabando de escravos, tornando seu porto o segundo em ordem de importância na região, depois de Angra. Sempre indicador da riqueza dos habitantes, nova igreja foi construída: a Igreja de N.S. do Rosário, originalmente lugar de uma capela construída em 1770, foi reconstruída em 1800. Pedro Bellegarde e Conrado Niemeyer registraram a presença de inúmeras fazendas de café no vale do rio Mambucaba em seu famoso mapa de 1858 (ver MAPA Bellegarde e Niemeyer).

Todos os pequenos portos desse segmento da costa atlântica brasileira serviram para o escoamento de café, aguardente, cana e, principalmente, para o contrabando de escravos durante o século XIX. É graças ao café e ao tráfico que, pela primeira vez em sua história, Angra dos Reis conhece o desenvolvimento urbano. Elevada a Termo em 1808, à sede de Comarca em 1828, abrangendo uma área que se estendia desde Itaguaí, Mangaratiba e Paraty, a antiga povoação de N.S. da Conceição, agora Angra dos Reis, foi elevada à categoria de cidade em 1835. A Santa Casa da Misericórdia foi construída em 1836, para atender aos casos de tifo, impaludismo e febre amarela; o Paço Municipal em 1876; e o primeiro jornal semanal aparece em 1860.

 
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  Extraído de: ANGRA DOS REIS: PORQUE OLHAR PARA O PASSADO?  - Lia Osorio Machado  
 

Doutora em Geografia pela Universidad de Barcelona (1989). Atualmente é Professora Associada da Universidade Federal do RIo de Janeiro e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Coordena o Grupo RETIS na UFRJ, do qual participam doutores, mestres, mestrandos e bolsistas de iniciação científica com pesquisas nos temas de Amazônia sul-americana; Limites e Fronteiras na América do Sul; Geografia das Drogas Ilícitas e Sistema Financeiro Internacional; Pensamento Geográfico. Tem artigos e livros publicados no Brasil e no exterior sobre temas relacionados às pesquisas desenvolvidas no Grupo Retis. É do conselho científico de publicações nacionais e internacionais e orientadora de diversas monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado.

 
     
     
 

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