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São João Marcos - relato de viagem
A antiga capital do café

Igreja de Nossa Senhora do Rosário - São João Marcos, 1927.

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Viagem a São João Marcos e Mangaratiba - por Agrippino Griecco e Luiz de Souza Breves em 1927.

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Luiz Breves, o engenheiro Crosato, o menino Donatelo e eu, metemo-nos no automóvel, e conduzidos por um "chauffeur" desabusado, deixamos Passa Três e entramos em sítios quase desertos, rumo de São João Marcos. Luiz, dedo no ar, debruçando-se para um lado e outro do carro, vai dando, fragmentariamente, explicações sobre os lugares que desfilam diante de nós, numa vertiginosa farandola de árvores e pedregulhos.

Alí era a morada do velho Cassiano Barboza, pai de quatorze raparigas, sendo que os quinze alí moraram sem pagar vintém mais de trinta anos, graças à bondade do Comendador Joaquim Breves, dono da casa.

A esta altura indagamos, naturalmente, do neto do Comendador, se este era homem de boas entranhas, nutrido daquele "leite da ternura humana", sem o qual vida alguma é digna de ser vivida. Luiz, que é de uma franqueza desembuçada e tanto aponta virtudes como defeitos dos ancestrais, sem nenhum fanatismo doméstico, responde-nos que sim.

Apenas, acrescenta, como todos os da estirpe, o maior dos Breves era de um temperamento impulsivo, deixando-se às vezes arrastar-se pelos nervos desembestados. Ao dinheiro não dava grande apreço, achando que a moeda, redonda como é, foi feito para rodar. Na sua fazenda da Grama, magaçadas de cédulas do Tesouro Nacional escorriam pelas gavetas entreabertas e uma das criadas graves, velha preta, que assimilara a voz e os gestos da patroa, confessou pouco antes de morrer, que se apoderara sub-repticiamente de muitas dessas boladas, para mandar comprar cosméticos e água-de-cheiro aqui no Rio.

Agora o nosso cicerone indica-nos as várias cruzes e capelinhas que surgem à beira da estrada. Todas tem praticamente a sua caixa de esmolas, e quase sempre assinalam a sepultura de capangas chacinados quando, por excesso de zelo, faziam valer as virtudes dos respectivos patrões, contra os vícios dos patrões alheios. Excesso de zelo, dizemos bem. Porque os patr·es, embora separados pelas demandas e pelo furores da concorrência regional, acabavam-se por entender-se direito na partilha de proventos, e tinham até necessidade dessas trocas, para mais estimular-se na ânsia do ganho.

E o auto corre. Pequenos bichos fogem diante do carro de fogo. Luiz Breves, ainda um tanto orgulhoso de que tudo aquilo tenha sido de sua gente, garante-nos serem aquelas terras fertilíssimas. Quantas arrobas de café desciam do morro ali ao fundo, "o morro da Demanda", assim chamado porque envolvido em raivoso litígio forense durante duas décadas! Numa das abas do morro, uma choupana e uma preta com o filhinho ao colo, sugando mais do que uma ventosa...

E assim corremos quilômetros e quilômetros de terrenos despojados dos antigos cafezais e onde o mato ainda não conseguiu renascer. Apenas, de quando em quando, sobem troncos finos de embaúba, aproveitados para papel e pau-de-fósforo.

São João Marcos

Chegamos, enfim, a São João Marcos. Recebe-nos com um sorriso amável engatilhado para nós, um dos filhos da cidade, rábula, jornalista e memorialista da região. Vamos logo ao único botequim local, que por sinal, dispõe também de um bilhar e de um cinema hebdomadário, com o cavalo de Tom Mix e as pernas tortas de Richard Talmadge. Serve-nos café um pobre rapaz opilado, evidentemente uma das muitas vítimas da represa da Light nas proximidades.

Enquanto sorvemos o líquido, o Vieira Fazenda de São João Marcos entra a enumerar-nos as glórias da terra: João Caetano, Fagundes Varella e Ataulfo de Paiva. O cronista da zona, sem dúvida alguma exagera. O ator e o poeta não são de lá, e sim de outras zonas. De lá - desculpem se é pouco! - o elegante desembargador da Academia de Letras, sendo provável que nenhuma outra cidade do Estado do Rio de Janeiro dispute a honra de haver-lhe servido de berço...

Reconfortados pelo café, lançamos uma olhadela circular pela praça, que é toda a urbe. Cercada de morros, tem a fundo dominando o casario arcaico, uma vistosa igreja de estilo colonial, cuja construção começou em 1737 e cujas torres arredondadas no alto não quiseram subir muito. Essa igreja converteu-se em hospital, enchendo-se de doentes até o coro, quando a malária liquidou por ali milhares de criaturas, forçando as restantes a um exodo pânico.

Em derredor, vemos outros impaludados, quentando sol à portas das vivendas. E, a propósito, vêm novos detalhes da temível mortandade. A Light, para conseguir a sua represa, submergiu dezenas de fazendas, povoados e até cemitérios, cujos tetos e cruzes repontam ao baixar as águas. Daí a febre destruidora e a ceifa de populaç·es numa terra de ótimo clima, em que os micróbios pulavam. No pior período da epidemia, abriam-se valas enormes no cemitério e muita gente ainda viva foi para a cova de cambulhada com os defuntos. Nos arredores encontravam-se cães devorando cadáveres e achou-se até uma criancinha morta.

Para sacudir estas lembranças trágicas, olhamos três palacetes da praça. Dois ostentam frontaria de azulejos e o do centro têm, heraldicamente, um monograma no cimo. Um possui janelas gradeadas à moda mourisca e todos pompeiam, na sacada, lindos ornatos em ferro forjado. Num desses palacetes, ao que nos informam, está a cama em que dormiu Pedro I, quando voltava do Ipiranga, móvel que não deixará de tentar a gula dos algibetes do passado. E com este - se não nos equivocamos - sobe a cem o número de leitos em que, só ou acompanhado, dormiu o homem de 7 de setembro. Mas não haverá aí um "superavit" de camas? Acautelem-se os colecionadores...

Aquela casa ali em frente - insiste o historiógrafo - pertenceu longo tempo a um irmão de Pereira Passos.

Por aqui - ouvimos - rumo de Mangaratiba e, logo, do Rio, desciam quase todos os produtos paulistas no tempo do Império, antes da construção da Central, e ainda perduram vestígios de pedra dos grandes depósitos de café erguidos nas imediaç·es. Então, era São João Marcos autônoma, passando na decadência a subordinar-se à comarca de Piraí. As famílias tradicionais deixaram o seu rincão, desenraizadas pelo tufão de 13 de maio. Hoje, só se verifica nestas paragens um pequeno comércio de cereais e legumes, especialmente milho e repolhos, para aprovisionar Mangaratiba, graças a dois automóveis-caminhões que põe a cidade em contato com o litoral.

Malgrado o seu posto meteorológico dispor de telefone e telégrafo, o lugar estiola-se. Mas sente-se-lhe a vontade de resistir, de não morrer. Dêem-lhe os governantes um empurrão benéfico e aquilo ainda poderá salvar-se.

Metemo-nos no auto para continuar viagem. O memorialista, inexaurivelmente, continua a dizer-nos coisas. Rumor de ferragens, no auto disposto a correr. E o cronista:

- Olhe! Não deixe de falar no crucifixo e nos castiçais de prata que estão na matriz e que vieram do Santuário de São Sebastião do Arrozal, submergido da represa. Fale, ainda na jazida de maganês e na fonte de água mineral que há nas vizinhanças. Insista no protesto feito pela Câmara de São João Marcos, quando Pedro I reconheceu um senador que não fora eleito, protesto que aqui está no arquivo da Câmara, constando de uma ata verdadeiramente histórica. Diga também algo sobre a mulher de José Ribeiro, vendedor de bilhetes de loteria, lembrando que era ela o melhor alfaiate da terra, trabalhando admiravelmente em sobrecasacas e até butinas. Não esqueça que o Comendador Joaquim Breves foi visto, muitas vezes, por aqui, de japona azul. E tenha uma referência amistosa para com o generoso Costa Doca, nosso principal comerciante de secos e molhados, e o melhor enfermeiro dos impaludados, que acolheu, às dezenas, em sua fazendola de Água Fria. De São João Marcos a Mangaratiba são vinte e sete quilômetros de estrada de rodagem, construída de 1850 à 1857. Rodovia excelente, bem calçada, defendida por sólidas muralhas nas curvas perigosas e abrindo brechas em altas montanhas. A Ponte Bela, sobre o Ribeirão das Lages, é elegantíssima na curva audaciosa do seu único arco de cantaria. Da casa de diligência restam alguns capitéis de granito, entre fetos e parasitas viçosos.

Raros gorgeios nas matas. A cruz da Rita, mestiça sestrosa, assassinada por um amante ciumento há mais de trinta anos, é ainda hoje piedosamente coberta de flores por criaturas anônimas.

Nas terras de Benguela, pertencentes, agora a um banco estrangeiro, vagam lontras dadas a amores românticos, e ao alto, subsistem os muros de uma antiga fortaleza destinada à defesa da costa, com restos de peças de artilharia. Nesse trecho, nasceu Rubião Júnior, que foi político prestigioso em São Paulo.

Mangaratiba

Belo é quando de um dos pontos mais elevados da estrada se avista, por um rasgão da floresta, o Atlântico. "Thalassa!..." É o mar, é o Saco de Mangaratiba, a linda baía de águas tão rasas que fazem encalhar simples barcos de pesca. Além, a Ilha Grande, com o Lazareto, ilha que foi também de Joaquim Breves, não escapando aos tentáculos desse insaciável conquistador de terras. Mais além, a Restinga, outra propriedade do Comendador, que alí desembarcava a provisão dos navios negreiros, indiferente aos lirismos humanitários de Castro Alves e seus êmulos em prosa e verso. Aí também - dizem - facilitava ele o contato entre as suas escravas e os feitores brancos, para obter melhorias de raça, do que resultou ser a Restinga conhecida por ilha das Crias...

Já agora, aproximamo-nos, velozmente da praia. Passamos pelo cemitério, convertido, por efeito de infiltração da água do mar, em charco peganhento. De um lado e de outro, erguem-se carcaças de pedras, hirtas, nos seus sudários verdes de limo. É tudo o que resta dos solares, dos armazéns, das cocheiras e dos trapiches dos Breves. Ciprestes e outras árvores civilizadas, com que o Comendador ornara as suas chácaras, mal resistem às investidas asfixiantes do mato bravio. De passagem notam-se vestígios de uma estrada de ferro que ligaria Mangaratiba a Angra dos Reis.

E cá estamos, afinal, em Mangaratiba, hoje teatro prosaico de convescostes domingueiros de burgueses do Rio, ou ninho de feiticeiros e curandeiros, muito procurados pela gente supersticiosa da metrópole.

Vamos examinar um chafariz com a inscrição: C.M. 1852. Só tem de importante a velhice e nenhum mérito artístico.

Fustiga-nos, aspérrimo, o vento noroeste. Com o vento, investe contra nós um historiador em trânsito por aquelas plagas, um velhore desdentado e ressequido, que se presume historiador, geógrafo e linhagista notáveis e vive a esmiuçar jornais antigos, cartas genealógicas e relatórios do tempo do Império, remexendo, em todos os móveis carunchosos, para ver se encontra uma epístola, um recibo, um cardápio, um rol de roupa suja, qualquer documento, em suma, que lhe traga um acréscimo de erudição retrospectiva.

Não sei se esse esmiuçador do passado será parente do genealogista mercenário que, lá pelas altunas de 1870, pretendeu convencer o Comendador Breves de que este descendia, em linha reta, de "Pepino o Breve", o que, não lhe valeu uma formidável surra, porque o fazendeiro de São Joaquim da Grama não tomava a sério bajuladores assim, sabendo-se de origem plebéia e ufanando-se disto, muito contente de ser ele mesmo o seu mais ilustre ancestral. Entretanto, o Comendador Joaquim José de Souza Breves, tinha descendência notavelmente ilustre, pertencendo sua família aos ramos mais puros das casas fidalgas da Europa. Joaquim Breves, julgava-se plebeu, pois tinha em mente que, a nobreza não lhe traria benefício algum, visto que seu primeiro antepassados, François de Savary - Conde de Breves e fidalgo francês, muito jovem teve que emigrar para os Açores, fugindo das perseguições políticas que lhe haviam sido impostas pelas casas reais da França. O Comendador não gostaria de enfrentar os dissabores gerados pelos títulos de nobreza que porventura viesse ter. Sua nobreza era seu caráter, suas lavouras, seus solares, seus enormes latifúndios - tudo isto conseguido com o esforço de sua tenacidade no trabalho.

Ouçamos, entretanto, o tal linhagista de última hora:

- Ah! o senhor se interessa pela família Breves? Eu também, e estou fazendo pesquisas em torno do parentesco desta com a família Morais... Os Morais, eram curiosíssimos. Um deles pôs nas filhas os apelidos caseiros de Pará, Peré, Piri, Poró, Purú. Outro sustentou polêmica para provar que o traçado da Central estava errado e que os trilhos deviam passar por São João Marcos e não pela Serra do Mar... Não sei se sabe que o primeiro, em ordem, desses Morais tinha o gognome de "Cabeça de Cuia", por isso que, perdendo a tampa do crânio, em luta com uma onça, fez resguardar os miolos com um pedaço de cuia, que acabou por aderir-lhe à cabeça e lhe permitiu viver assim longos anos... Quanto ao Morais que foi conhecido como "Capitão Mata-Gente", é em grande parte um tipo de lenda, e há exagero nos crimes que lhe atribuem. Sim - dizem que ele costumava pagar aos caixeiros viajantes suas contas, com a maior pontualidade, mas depois os fazia cercar na estrada para reaver o dinheiro, e quando resistiam, mandava liquidá-los e lançar-lhes os despojos num açude, situado nas proximidades do caminho... Entre outras fazendas prósperas dos Morais, destacavam-se Piloto e Salto Pequeno. Fazendas todas ricas em histórias apavorantes, fato comum num tempo em que o povo enxergava por toda parte subterrâneos, tesouros enterrados, covis de salteadores, casas mal-assombradas, mulas-sem-cabeça, o diabo... Em matéria de lenda, lembre-se ainda que o início da formidável fortuna do Comendador Joaquim Breves foi atribuído a um diamante colossal que ele teria extorquido de um pobre preto, tropeiro, que em seguida, mandara matar. Contam, até que esse diamante, veio a pertencer à Coroa da Áustria, fazendo hoje parte do escrínio da ex-imperatriz Zita, que embarde procura vender a gema fatídica, por não haver joalheiro capaz de adquiri-la. Narram tanta coisa do velho Breves, que eu, de resto conheci em pessoa, quando ele ia tomar o trem em Belém, com destino ao Rio, evitando passar pelos túneis, porque segundo confessava, não era minhoca para rojar-se por baixo da terra... Pobre Comendador! Ainda alguns dias antes da Lei de 13 de Maio, comprava escravos, certo de que o governo não teria coragem de privá-lo daquela propriedade legal.

Uma vez ultimada a Abolição, perdeu ele, assim uns seis mil contos de réis, só em material humano, avaliando-se cada preto em um conto de réis, o que não é demasiado. Daí a raiva com que pretendeu exigir do Tesouro Nacional, uma indenização que o salvasse da ruína total. Tudo inútil! O desmoronamento não tardou e maior seria ainda o seu desgosto de monarquista ferrenho, se resistisse uns três anos mais e visse um dos filhos fazendo parte da Constituinte, como deputado republicano...

- Seis mil escravos. Naturalmente o Comendador Breves não podia conhecer todos eles.

- Exatamente. Muitas vezes, saudado na estrada, com o clássico "Sôs Cristo", por um crioulo reverencioso, indagava quem era; só então vinha a saber que se tratava de um dos seus bens semoventes, incorporado sob tal nome, a tal fazenda... Muitos desconhecem que o Comendador era entusiasta das obras de arte. No seu solar de São Joaquim da Grama, onde se preferência residia,, guardava uma coleção de estátuas de mármore, em tamanho natural. Algumas vezes, para gracejar com os hóspedes de maior intimidade, fazia subir num pedestal uma negrinha nua, ensaiada, que ele apresentava como uma admirável escultura de ônix. E, quando os assistentes elogiavam a rara perfeição da figura, dava-lhe ele ordem de se retirar, dizendo: "Salta, crioula, vai-te embora!".

- Mas - objeta o Luiz Breves - parece que isso não aconteceu com meu avô, e sim com o capitalista Braz Barboza Arruda, do município do Bananal e conhecidíssimo pelas suas excentricidade...

- Não - dogmatiza, impertubável, o temível rebuscador de arquivos - foi com seu avô mesmo. Este, todos o sabem, distinguia-se pelo gênio galhofeiro, bem diverso do irmão, o Comendador José de Souza Breves que conheci viúvo, sem filhos, muito religioso e, por isso ou apesar disso, extremamente bom. Era menos rico que o mano Joaquim, de quem aliás, foi sempre bastante amigo, ainda que adversários na política, militando no Partido Conservador, enquanto o outro era um liberal intransigente. Quanto às propriedades do José Breves, couberam por morte deste, à mucamas e pretos forros, rechaçados mais tarde de seus domínios, por estrangeiros audaciosos, que a politicalha de em torno prestigiava...

Ligeira pausa e o homem recomeça, infatigável, entrando por outras zonas:

- Além dos Breves e dos Morais, existiram em terras fluminenses, figuras de fazendeiros das mais pitorescas. Tais os primitivos proprietários de Fortaleza, no município de Rio Claro, que foi longo tempo um harém de senhoras raptadas no Rio de Janeiro e em São Paulo; o Visconde de Barra Mansa, dono dos latifúndios do Turvo e que, sistematicamente se aproximava de ninguém, ficando sempre a dois três metros do visitante, para evitar que este lhe apertasse a mão, intimamente que lhe fazia horror; o Tintinho Crissiúma, antigo feudo do Barão do Amparo, sendo pai de um conhecido médico de Petrópolis, exímio em operaç·es de orquites; o Comendador Luciano de Aguiar, mulato sociável, grande produtor de café e, finalmente o Bráz Barbosa de Arruda, de que se falou há pouco...

- É, talvez o mais original de todos estes magnatas...

- Certamente o mais original. Pois não foi ele que mandou coser um Oficial de Justiça dentro da barriga de um boi morto na véspera, fazendo a cabeça do pobre homem sair pelo posterior do animal, o que o levou a quase enlouquecer de pavor, soltando urros tremendos, à impossibilidade de defender-se, tendo como tinha as mãos presas, das bicadas ávidas dos urubus...

- Simplesmente macabro...

- A par desses figurões pedantes ou perversos, não era difícil encontrar, entre escravos e pessoas do povo, criaturas boníssimas...

- Tantas - intervém Luiz Breves. Haja vista a preta Catalina, ainda viva e hoje centenária, ama de gerações sucessivas, possuindo boa memória, contando sempre casos e sempre indulgente para com o marido, um sujeito de noventa anos, que se embebeda todos os dias, desde a infância; o Luiz Cunha, especialista na cura de males venéreos; o preto Manuel, herói condecorado no Paraguai; o Pedro Pacífico, cognominado o Tiradentes, por se assemelhar ao outro abolicionista rubro, amigo de Patrocínio e Luiz Gama, dos que mais aplaudiram Joaquim Nabuco quando foi discursar em Mangaratiba a favor da Abolição...

Aproveitando o ensejo, trato de obter alguns detalhes sobre o Breves físico.

- No fim da vida - indica o neto do Comendador Joaquim Breves - usava ele barba passa-piolho e bigode raspado. Conservou-se forte porque sóbrio, comendo e bebendo moderadamente, e tendo apenas o vício do charuto e do voltarete, chegando a dar dinheiro aos parceiros pobres para que jogassem contra ele, jogando de preferência com o Olímpio Gomes de Souza - farmacêutico da fazenda, mestiço inteligente, muito amigo do poeta B. Lopes, que lhe mandou o retrato com dedicatória autografada.

- Mas em moço - indago - no tempo em que acompanhou Dom Pedro I, a São Paulo, fazendo-lhe parte da guarda de honra, Breves não amaria as festas palacianas?

- Sim - esclarece Luiz Breves - nesse tempo, meu avô, ao que se vê do retrato que conservo em minha casa de Passa Três, era elegante, com certo dandismo, que não lhe ia mal, no peito cheio de insígnias, na gravata de duplo laço, e na expressão de inteligência e altivez, algo voluntariosa. Contaria ele, por essa ocasião, uns vinte e cinco anos de idade. Talvez o pincel tenha sido um pincel cortesão, algo engrossador, mas o caso é que um mancebo assim facilmente se insinuaria nos corações femininos.


 
 

© 1996/2012 — Todos os direitos reservados. Aloysio Clemente M I J Breves Beiler, "História do Café no Brasil Imperial". Rio de Janeiro, RJ.

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