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Luiz Breves, o engenheiro Crosato, o menino Donatelo e eu, metemo-nos no automóvel, e
conduzidos por um "chauffeur" desabusado, deixamos
Passa Três e entramos em sítios quase desertos, rumo de São
João Marcos. Luiz, dedo no ar, debruçando-se para um lado e
outro do carro, vai dando, fragmentariamente, explicações sobre
os lugares que desfilam diante de nós, numa vertiginosa
farandola de árvores e pedregulhos.
Alí era a morada do velho
Cassiano Barboza, pai de quatorze raparigas, sendo que os quinze
alí moraram sem pagar vintém mais de trinta anos, graças à
bondade do Comendador Joaquim Breves, dono da casa.
A esta altura indagamos,
naturalmente, do neto do Comendador, se este era homem de boas
entranhas, nutrido daquele "leite da ternura humana",
sem o qual vida alguma é digna de ser vivida. Luiz, que é de
uma franqueza desembuçada e tanto aponta virtudes como defeitos
dos ancestrais, sem nenhum fanatismo doméstico, responde-nos que
sim.
Apenas, acrescenta, como
todos os da estirpe, o maior dos Breves era de um temperamento
impulsivo, deixando-se às vezes arrastar-se pelos nervos
desembestados. Ao dinheiro não dava grande apreço, achando que
a moeda, redonda como é, foi feito para rodar. Na sua fazenda da
Grama, magaçadas de cédulas do Tesouro Nacional escorriam pelas
gavetas entreabertas e uma das criadas graves, velha preta, que
assimilara a voz e os gestos da patroa, confessou pouco antes de
morrer, que se apoderara sub-repticiamente de muitas dessas
boladas, para mandar comprar cosméticos e água-de-cheiro aqui
no Rio.
Agora o nosso cicerone
indica-nos as várias cruzes e capelinhas que surgem à beira da
estrada. Todas tem praticamente a sua caixa de esmolas, e quase
sempre assinalam a sepultura de capangas chacinados quando, por
excesso de zelo, faziam valer as virtudes dos respectivos
patrões, contra os vícios dos patrões alheios. Excesso de
zelo, dizemos bem. Porque os patr·es, embora separados pelas
demandas e pelo furores da concorrência regional, acabavam-se
por entender-se direito na partilha de proventos, e tinham até
necessidade dessas trocas, para mais estimular-se na ânsia do
ganho.
E o auto corre. Pequenos
bichos fogem diante do carro de fogo. Luiz Breves, ainda um tanto
orgulhoso de que tudo aquilo tenha sido de sua gente, garante-nos
serem aquelas terras fertilíssimas. Quantas arrobas de café
desciam do morro ali ao fundo, "o morro da Demanda",
assim chamado porque envolvido em raivoso litígio forense
durante duas décadas! Numa das abas do morro, uma choupana e uma
preta com o filhinho ao colo, sugando mais do que uma ventosa...
E assim corremos
quilômetros e quilômetros de terrenos despojados dos antigos
cafezais e onde o mato ainda não conseguiu renascer. Apenas, de
quando em quando, sobem troncos finos de embaúba, aproveitados
para papel e pau-de-fósforo.
São João Marcos
Chegamos, enfim, a São
João Marcos. Recebe-nos com um sorriso amável engatilhado para
nós, um dos filhos da cidade, rábula, jornalista e memorialista
da região. Vamos logo ao único botequim local, que por sinal,
dispõe também de um bilhar e de um cinema hebdomadário, com o
cavalo de Tom Mix e as pernas tortas de Richard Talmadge.
Serve-nos café um pobre rapaz opilado, evidentemente uma das
muitas vítimas da represa da Light nas proximidades.
Enquanto sorvemos o
líquido, o Vieira Fazenda de São João Marcos entra a
enumerar-nos as glórias da terra: João Caetano, Fagundes
Varella e Ataulfo de Paiva. O cronista da zona, sem dúvida
alguma exagera. O ator e o poeta não são de lá, e sim de
outras zonas. De lá - desculpem se é pouco! - o elegante
desembargador da Academia de Letras, sendo provável que nenhuma
outra cidade do Estado do Rio de Janeiro dispute a honra de
haver-lhe servido de berço...
Reconfortados pelo café,
lançamos uma olhadela circular pela praça, que é toda a urbe.
Cercada de morros, tem a fundo dominando o casario arcaico, uma
vistosa igreja de estilo colonial, cuja construção começou em
1737 e cujas torres arredondadas no alto não quiseram subir
muito. Essa igreja converteu-se em hospital, enchendo-se de
doentes até o coro, quando a malária liquidou por ali milhares
de criaturas, forçando as restantes a um exodo pânico.
Em derredor, vemos outros
impaludados, quentando sol à portas das vivendas. E, a
propósito, vêm novos detalhes da temível mortandade. A Light,
para conseguir a sua represa, submergiu dezenas de fazendas,
povoados e até cemitérios, cujos tetos e cruzes repontam ao
baixar as águas. Daí a febre destruidora e a ceifa de
populaç·es numa terra de ótimo clima, em que os micróbios
pulavam. No pior período da epidemia, abriam-se valas enormes no
cemitério e muita gente ainda viva foi para a cova de cambulhada
com os defuntos. Nos arredores encontravam-se cães devorando
cadáveres e achou-se até uma criancinha morta.
Para sacudir estas
lembranças trágicas, olhamos três palacetes da praça. Dois
ostentam frontaria de azulejos e o do centro têm,
heraldicamente, um monograma no cimo. Um possui janelas gradeadas
à moda mourisca e todos pompeiam, na sacada, lindos ornatos em
ferro forjado. Num desses palacetes, ao que nos informam, está a
cama em que dormiu Pedro I, quando voltava do Ipiranga, móvel
que não deixará de tentar a gula dos algibetes do passado. E
com este - se não nos equivocamos - sobe a cem o número de
leitos em que, só ou acompanhado, dormiu o homem de 7 de
setembro. Mas não haverá aí um "superavit" de camas?
Acautelem-se os colecionadores...
Aquela casa ali em frente
- insiste o historiógrafo - pertenceu longo tempo a um irmão de
Pereira Passos.
Por aqui - ouvimos - rumo
de Mangaratiba e, logo, do Rio, desciam quase todos os produtos
paulistas no tempo do Império, antes da construção da Central,
e ainda perduram vestígios de pedra dos grandes depósitos de
café erguidos nas imediaç·es. Então, era São João Marcos
autônoma, passando na decadência a subordinar-se à comarca de
Piraí. As famílias tradicionais deixaram o seu rincão,
desenraizadas pelo tufão de 13 de maio. Hoje, só se verifica
nestas paragens um pequeno comércio de cereais e legumes,
especialmente milho e repolhos, para aprovisionar Mangaratiba,
graças a dois automóveis-caminhões que põe a cidade em
contato com o litoral.
Malgrado o seu posto
meteorológico dispor de telefone e telégrafo, o lugar
estiola-se. Mas sente-se-lhe a vontade de resistir, de não
morrer. Dêem-lhe os governantes um empurrão benéfico e aquilo
ainda poderá salvar-se.
Metemo-nos no auto para
continuar viagem. O memorialista, inexaurivelmente, continua a
dizer-nos coisas. Rumor de ferragens, no auto disposto a correr.
E o cronista:
- Olhe! Não deixe de
falar no crucifixo e nos castiçais de prata que estão na matriz
e que vieram do Santuário de São Sebastião do Arrozal,
submergido da represa. Fale, ainda na jazida de maganês e na
fonte de água mineral que há nas vizinhanças. Insista no
protesto feito pela Câmara de São João Marcos, quando Pedro I
reconheceu um senador que não fora eleito, protesto que aqui
está no arquivo da Câmara, constando de uma ata verdadeiramente
histórica. Diga também algo sobre a mulher de José Ribeiro,
vendedor de bilhetes de loteria, lembrando que era ela o melhor
alfaiate da terra, trabalhando admiravelmente em sobrecasacas e
até butinas. Não esqueça que o Comendador Joaquim Breves foi
visto, muitas vezes, por aqui, de japona azul. E tenha uma
referência amistosa para com o generoso Costa Doca, nosso
principal comerciante de secos e molhados, e o melhor enfermeiro
dos impaludados, que acolheu, às dezenas, em sua fazendola de
Água Fria. De São João Marcos a Mangaratiba são vinte e sete
quilômetros de estrada de rodagem, construída de 1850 à 1857.
Rodovia excelente, bem calçada, defendida por sólidas muralhas
nas curvas perigosas e abrindo brechas em altas montanhas. A
Ponte Bela, sobre o Ribeirão das Lages, é elegantíssima na
curva audaciosa do seu único arco de cantaria. Da casa de
diligência restam alguns capitéis de granito, entre fetos e
parasitas viçosos.
Raros gorgeios nas matas.
A cruz da Rita, mestiça sestrosa, assassinada por um amante
ciumento há mais de trinta anos, é ainda hoje piedosamente
coberta de flores por criaturas anônimas.
Nas terras de Benguela,
pertencentes, agora a um banco estrangeiro, vagam lontras dadas a
amores românticos, e ao alto, subsistem os muros de uma antiga
fortaleza destinada à defesa da costa, com restos de peças de
artilharia. Nesse trecho, nasceu Rubião Júnior, que foi
político prestigioso em São Paulo.
Mangaratiba
Belo é quando de um dos
pontos mais elevados da estrada se avista, por um rasgão da
floresta, o Atlântico. "Thalassa!..." É o mar, é o
Saco de Mangaratiba, a linda baía de águas tão rasas que fazem
encalhar simples barcos de pesca. Além, a Ilha Grande, com o
Lazareto, ilha que foi também de Joaquim Breves, não escapando
aos tentáculos desse insaciável conquistador de terras. Mais
além, a Restinga, outra propriedade do Comendador, que alí
desembarcava a provisão dos navios negreiros, indiferente aos
lirismos humanitários de Castro Alves e seus êmulos em prosa e
verso. Aí também - dizem - facilitava ele o contato entre as
suas escravas e os feitores brancos, para obter melhorias de
raça, do que resultou ser a Restinga conhecida por ilha das
Crias...
Já agora, aproximamo-nos,
velozmente da praia. Passamos pelo cemitério, convertido, por
efeito de infiltração da água do mar, em charco peganhento. De
um lado e de outro, erguem-se carcaças de pedras, hirtas, nos
seus sudários verdes de limo. É tudo o que resta dos solares,
dos armazéns, das cocheiras e dos trapiches dos Breves.
Ciprestes e outras árvores civilizadas, com que o Comendador
ornara as suas chácaras, mal resistem às investidas asfixiantes
do mato bravio. De passagem notam-se vestígios de uma estrada de
ferro que ligaria Mangaratiba a Angra dos Reis.
E cá estamos, afinal, em
Mangaratiba, hoje teatro prosaico de convescostes domingueiros de
burgueses do Rio, ou ninho de feiticeiros e curandeiros, muito
procurados pela gente supersticiosa da metrópole.
Vamos examinar um chafariz
com a inscrição: C.M. 1852. Só tem de importante a velhice e
nenhum mérito artístico.
Fustiga-nos, aspérrimo, o
vento noroeste. Com o vento, investe contra nós um historiador
em trânsito por aquelas plagas, um velhore desdentado e
ressequido, que se presume historiador, geógrafo e linhagista
notáveis e vive a esmiuçar jornais antigos, cartas
genealógicas e relatórios do tempo do Império, remexendo, em
todos os móveis carunchosos, para ver se encontra uma epístola,
um recibo, um cardápio, um rol de roupa suja, qualquer
documento, em suma, que lhe traga um acréscimo de erudição
retrospectiva.
Não sei se esse
esmiuçador do passado será parente do genealogista mercenário
que, lá pelas altunas de 1870, pretendeu convencer o Comendador
Breves de que este descendia, em linha reta, de "Pepino o
Breve", o que, não lhe valeu uma formidável surra, porque
o fazendeiro de São Joaquim da Grama não tomava a sério
bajuladores assim, sabendo-se de origem plebéia e ufanando-se
disto, muito contente de ser ele mesmo o seu mais ilustre
ancestral. Entretanto, o Comendador Joaquim José de Souza
Breves, tinha descendência notavelmente ilustre, pertencendo sua
família aos ramos mais puros das casas fidalgas da Europa.
Joaquim Breves, julgava-se plebeu, pois tinha em mente que, a
nobreza não lhe traria benefício algum, visto que seu primeiro
antepassados, François de Savary - Conde de Breves e fidalgo
francês, muito jovem teve que emigrar para os Açores, fugindo
das perseguições políticas que lhe haviam sido impostas pelas
casas reais da França. O Comendador não gostaria de enfrentar
os dissabores gerados pelos títulos de nobreza que porventura
viesse ter. Sua nobreza era seu caráter, suas lavouras, seus
solares, seus enormes latifúndios - tudo isto conseguido com o
esforço de sua tenacidade no trabalho.
Ouçamos, entretanto, o
tal linhagista de última hora:
- Ah! o senhor se
interessa pela família Breves? Eu também, e estou fazendo
pesquisas em torno do parentesco desta com a família Morais...
Os Morais, eram curiosíssimos. Um deles pôs nas filhas os
apelidos caseiros de Pará, Peré, Piri, Poró, Purú. Outro
sustentou polêmica para provar que o traçado da Central estava
errado e que os trilhos deviam passar por São João Marcos e
não pela Serra do Mar... Não sei se sabe que o primeiro, em
ordem, desses Morais tinha o gognome de "Cabeça de
Cuia", por isso que, perdendo a tampa do crânio, em luta
com uma onça, fez resguardar os miolos com um pedaço de cuia,
que acabou por aderir-lhe à cabeça e lhe permitiu viver assim
longos anos... Quanto ao Morais que foi conhecido como
"Capitão Mata-Gente", é em grande parte um tipo de
lenda, e há exagero nos crimes que lhe atribuem. Sim - dizem que
ele costumava pagar aos caixeiros viajantes suas contas, com a
maior pontualidade, mas depois os fazia cercar na estrada para
reaver o dinheiro, e quando resistiam, mandava liquidá-los e
lançar-lhes os despojos num açude, situado nas proximidades do
caminho... Entre outras fazendas prósperas dos Morais,
destacavam-se Piloto e Salto Pequeno. Fazendas todas ricas em
histórias apavorantes, fato comum num tempo em que o povo
enxergava por toda parte subterrâneos, tesouros enterrados,
covis de salteadores, casas mal-assombradas, mulas-sem-cabeça, o
diabo... Em matéria de lenda, lembre-se ainda que o início da
formidável fortuna do Comendador Joaquim Breves foi atribuído a
um diamante colossal que ele teria extorquido de um pobre preto,
tropeiro, que em seguida, mandara matar. Contam, até que esse
diamante, veio a pertencer à Coroa da Áustria, fazendo hoje
parte do escrínio da ex-imperatriz Zita, que embarde procura
vender a gema fatídica, por não haver joalheiro capaz de
adquiri-la. Narram tanta coisa do velho Breves, que eu, de resto
conheci em pessoa, quando ele ia tomar o trem em Belém, com
destino ao Rio, evitando passar pelos túneis, porque segundo
confessava, não era minhoca para rojar-se por baixo da terra...
Pobre Comendador! Ainda alguns dias antes da Lei de 13 de Maio,
comprava escravos, certo de que o governo não teria coragem de
privá-lo daquela propriedade legal.
Uma vez ultimada a
Abolição, perdeu ele, assim uns seis mil contos de réis, só
em material humano, avaliando-se cada preto em um conto de réis,
o que não é demasiado. Daí a raiva com que pretendeu exigir do
Tesouro Nacional, uma indenização que o salvasse da ruína
total. Tudo inútil! O desmoronamento não tardou e maior seria
ainda o seu desgosto de monarquista ferrenho, se resistisse uns
três anos mais e visse um dos filhos fazendo parte da
Constituinte, como deputado republicano...
- Seis mil escravos.
Naturalmente o Comendador Breves não podia conhecer todos eles.
- Exatamente. Muitas
vezes, saudado na estrada, com o clássico "Sôs
Cristo", por um crioulo reverencioso, indagava quem era; só
então vinha a saber que se tratava de um dos seus bens
semoventes, incorporado sob tal nome, a tal fazenda... Muitos
desconhecem que o Comendador era entusiasta das obras de arte. No
seu solar de São Joaquim da Grama, onde se preferência
residia,, guardava uma coleção de estátuas de mármore, em
tamanho natural. Algumas vezes, para gracejar com os hóspedes de
maior intimidade, fazia subir num pedestal uma negrinha nua,
ensaiada, que ele apresentava como uma admirável escultura de
ônix. E, quando os assistentes elogiavam a rara perfeição da
figura, dava-lhe ele ordem de se retirar, dizendo: "Salta,
crioula, vai-te embora!".
- Mas - objeta o Luiz
Breves - parece que isso não aconteceu com meu avô, e sim com o
capitalista Braz Barboza Arruda, do município do Bananal e
conhecidíssimo pelas suas excentricidade...
- Não - dogmatiza,
impertubável, o temível rebuscador de arquivos - foi com seu
avô mesmo. Este, todos o sabem, distinguia-se pelo gênio
galhofeiro, bem diverso do irmão, o Comendador José de Souza
Breves que conheci viúvo, sem filhos, muito religioso e, por
isso ou apesar disso, extremamente bom. Era menos rico que o mano
Joaquim, de quem aliás, foi sempre bastante amigo, ainda que
adversários na política, militando no Partido Conservador,
enquanto o outro era um liberal intransigente. Quanto às
propriedades do José Breves, couberam por morte deste, à
mucamas e pretos forros, rechaçados mais tarde de seus
domínios, por estrangeiros audaciosos, que a politicalha de em
torno prestigiava...
Ligeira pausa e o homem
recomeça, infatigável, entrando por outras zonas:
- Além dos Breves e dos
Morais, existiram em terras fluminenses, figuras de fazendeiros
das mais pitorescas. Tais os primitivos proprietários de
Fortaleza, no município de Rio Claro, que foi longo tempo um
harém de senhoras raptadas no Rio de Janeiro e em São Paulo; o
Visconde de Barra Mansa, dono dos latifúndios do Turvo e que,
sistematicamente se aproximava de ninguém, ficando sempre a dois
três metros do visitante, para evitar que este lhe apertasse a
mão, intimamente que lhe fazia horror; o Tintinho Crissiúma,
antigo feudo do Barão do Amparo, sendo pai de um conhecido
médico de Petrópolis, exímio em operaç·es de orquites; o
Comendador Luciano de Aguiar, mulato sociável, grande produtor
de café e, finalmente o Bráz Barbosa de Arruda, de que se falou
há pouco...
- É, talvez o mais
original de todos estes magnatas...
- Certamente o mais
original. Pois não foi ele que mandou coser um Oficial de
Justiça dentro da barriga de um boi morto na véspera, fazendo a
cabeça do pobre homem sair pelo posterior do animal, o que o
levou a quase enlouquecer de pavor, soltando urros tremendos, à
impossibilidade de defender-se, tendo como tinha as mãos presas,
das bicadas ávidas dos urubus...
- Simplesmente macabro...
- A par desses figurões
pedantes ou perversos, não era difícil encontrar, entre
escravos e pessoas do povo, criaturas boníssimas...
- Tantas - intervém Luiz
Breves. Haja vista a preta Catalina, ainda viva e hoje
centenária, ama de gerações sucessivas, possuindo boa
memória, contando sempre casos e sempre indulgente para com o
marido, um sujeito de noventa anos, que se embebeda todos os
dias, desde a infância; o Luiz Cunha, especialista na cura de
males venéreos; o preto Manuel, herói condecorado no Paraguai;
o Pedro Pacífico, cognominado o Tiradentes, por se assemelhar ao
outro abolicionista rubro, amigo de Patrocínio e Luiz Gama, dos
que mais aplaudiram Joaquim Nabuco quando foi discursar em
Mangaratiba a favor da Abolição...
Aproveitando o ensejo,
trato de obter alguns detalhes sobre o Breves físico.
- No fim da vida - indica
o neto do Comendador Joaquim Breves - usava ele barba
passa-piolho e bigode raspado. Conservou-se forte porque sóbrio,
comendo e bebendo moderadamente, e tendo apenas o vício do
charuto e do voltarete, chegando a dar dinheiro aos parceiros
pobres para que jogassem contra ele, jogando de preferência com
o Olímpio Gomes de Souza - farmacêutico da fazenda, mestiço
inteligente, muito amigo do poeta B. Lopes, que lhe mandou o
retrato com dedicatória autografada.
- Mas em moço - indago -
no tempo em que acompanhou Dom Pedro I, a São Paulo, fazendo-lhe
parte da guarda de honra, Breves não amaria as festas
palacianas?
- Sim - esclarece Luiz
Breves - nesse tempo, meu avô, ao que se vê do retrato que
conservo em minha casa de Passa Três, era elegante, com certo
dandismo, que não lhe ia mal, no peito cheio de insígnias, na
gravata de duplo laço, e na expressão de inteligência e
altivez, algo voluntariosa. Contaria ele, por essa ocasião, uns
vinte e cinco anos de idade. Talvez o pincel tenha sido um pincel
cortesão, algo engrossador, mas o caso é que um mancebo assim
facilmente se insinuaria nos corações femininos.
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