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Mangaratiba - Terra das Begônias - Viagem de
Renato de Almeida à antiga capital do café
por ocasião do Segundo Centenário da
Introdução do Cafeeiro no Brasil - 1927.
Quando nos
aproximamos de Mangaratiba, descendo a
encosta da montanha, por estrada que se
encurva entre a mataria densa, tocada de
sol, naquela tarde de inverno, fazendo
rebrilhar toda a escala de verdes, ao meio
da politonia de mil ruídos da floresta
acrescidos do sussurro do rio que se
encachoeira aqui e ali, a cidade sorria ao
longe, perto do mar, que nos aparecia como
uma mancha enorme, parada e grossa.
Mas o
trajeto não é agreste. Desde São João
Marcos, que vimos por magníficas estradas,
amparando as barreiras com contrafortes,
cortando inúmeras vezes o rio com pontes,
uma das quais de perfil romano, com seu ar
avermelhantado de limo verde, coberto de
avencas. Tal obra soberba é a "Ponte
Bela", mandada construir pelo
Comendador Joaquim José de Souza Breves, e
que dava acesso a outrora Fazenda da Bela
Vista, de sua propriedade, e, por onde
escoava sua produção enorme de café e
riquezas.
Ruínas do
teatro na estrada Imperial para São João
Marcos.
Encontramos
de vez em quando, esqueletos de casas de
fazendas, antigos solares, dentre os quais o
acima citado, com colunas ainda em pé, meias
paredes e porteiras desengonçadas.
Em tudo,
sinais de vida extinta, no próprio mato,
cheio de capoeirões, que cobrem hoje as
antigas plantações de café e onde se vêem
ainda, isolados e estéreis alguns pés destes
arbustos do nosso ouro negro. Este contraste
entre a natureza exorbitante e selvagem e
aqueles restos de civilização, que passou
antes de solidificar-se, dá uma curiosa
impressão de inconstância e de mágoa e prop·e
ao mesmo tempo ao espírito arguto um
problema difícil da nossa geografia
econômica. O café é nômade, e na sua marcha
para o sul, desertou dali quando lhe faltou
o braço cativo do seu primeiro cultivador. E
veio a penúria e a ruína, e os grandes
centros da vida intensa e formidável da zona
cafeeira, da antiga Província do Rio de
Janeiro se eclipsaram, e passaram a ter
existência humilde, cheia de evocações e
saudades.
Ruínas do
teatro na estrada Imperial para São João
Marcos.
Estas
cidades mortas fluminenses onde floresceram
fazendas prósperas, cujos donos foram
titulares de prosapia, senhores de muitas
léguas de terras e de muitas centenas de
escravos, em cujas casas chatas e brancas de
avarandado em derredor, todos os móveis eram
de jacarandá pesado, lustres e candelabros
de prata maciça, que comiam em louças finas,
e onde as festas, casamentos, batizados,
formaturas e aniversários, eram cheias de
pompa e acompanhados de banquetes
rebelaisianos que enchiam mesas; essas
cidades com os seus solares esquecidos ou
desaparecidos, as suas fazendas arruinadas
ou afundadas, não só evocam um dos períodos
mais brilhantes da vida da nossa sociedade,
cujo estudo está por fazer, para lhe
verificar exatamente o sentido construtor
que teve na formação nacional, mas têm
também um ar senhorial de nobreza decaída,
um pudor do contato plebeu, mesmo que lhes
possa trazer fortuna.
Mangaratiba
Mangaratiba, terra de mangará, que quer
dizer begônia, foi o grande porto de
embarque de café, para onde convergia, não
só 1/4 da produção fluminense, mas também
muitos dos cafés paulistas e mineiros, que
tinham empório em São João Marcos, onde se
efetuavam os negócios, antes da saída do
produto.
A magnífica
situação geográfica na baía de Angra dos
Reis, a beleza surpreendente do conjunto
forte de montanhas, florestas e o mar, tudo
dotou a provação de privilégios excepcionais
e múltiplos encantos, a que fez companhia a
boa fortuna.
Nasceu
Mangaratiba em 1618, como um aldeiamento de
índios tupiniquins, transportados para ali
pelo governador Martin de Sá, que fundou a
povoação na praia de São Bráz. Dois anos
mais tarde, porém, com as ressacas agitassem
muito as águas, e os índios dessem refúgio
aos soldados desertores, o dito governador,
em 1620, sobe com o povoado para nordeste,
no Saco de Ingaíba, arrasando as casinholas
do primitivo ajuntamento. Tudo favorecia a
nova aldeia, numa situação geográfica
excelente, ponto convergente de toda zona de
Piraí, São João Marcos, Rezende e outros
centros florescentes por onde passavam
tropas carregadas de café para embarcar no
porto de Mangaratiba, que se constituiu
assim importante entreposto da vida
mercantil fluminense.
Casa dos
Armazéns no alto da serra do Piloto.
A primitiva
aldeiola de índios, com as suas setenta
casas de adôbe e sapê, teve tudo para
ajudar-lhe o progresso: estradas que
favorecendo a indústria, parecem haver sido
abertas nas serras pelas mãos natureza,
ribeir·es que dão fácil navegação a canoas,
facilitando o transporte de gêneros
alimentícios até a Enseada de Ingaíba, por
onde os vem buscar as sumacas; tais são as
causas que desde o fim do século passado,
contribuiram para o aumento do comércio e da
população brasileira desta povoação.
Em 1931 era
fundada por Ato de 11 de Novembro a aldeia
de Nossa Senhora da Guia de Mangaratiba,
cuja instalação consta de curioso documento
que manuseei com emoção nos arquivos da
atual cidade, como a sua certidão de
batismo. Por este tempo, já contava com mais
de 450 fogos e 3.600 habitantes, e o seu
território de boa fertilidade, fartamente
banhado pelos rios que descem a serra, já
produzia café, mandioca, cana-de-acúcar e
cereais, havendo engenhos de moer e
destilarias de aguardente. Prosperava também
a indústria de peixe seco.
Mas a
grandeza de Mangaratiba não foi só como
elemento produtor, mas como porto de
embarque de café. Por uma questão de maior
conveniência, este porto não era
propriamente na enseada da vila, mas um
pouco acima, no Saco de Mangaratiba, onde se
estabeleceu o centro comercial da vila. Ali
se apinhavam sacas e sacas de café que as
tropas conduziam pela estrada abaixo e
enchiam trapiches, até serem conduzidas para
as barcaças e para os dois navios "Marambaia
e Januária", do muito famoso e temível
Comendador Joaquim José de Souza Breves.
Porto tributário de vasta zona cafeeira,
exportando mais de um milhão de arrobas de
café, Mangaratiba teve dias de invejável
prosperidade e um redemoinho de negócios
agitava as cabeças que se moviam naquele ar
quente com o cheiro resinoso do café em
grão.
Sob o olhar
protetor e caricioso de Nossa Senhora da
Guia, sob cuja invocação, em julho de 1785,
o padre Salvador Francisco Nóbreza iniciou
sobre os alicerces da antiga capela do tempo
dos índios, as obras do novo templo que o
padre Joaquim José da Silva Feijó concluiu,
Mangaratiba prosperou, tornando-se um dos
principais centros da vida fluminense no
comércio de café, escoadouro que era da
grande produção própria e alheia.
A vila, no
lugar em que existe hoje, não tinha
propriamente vida intensa, porque esta se
deslocara para o Saco, que embora contasse
com apenas 500 moradores, era um centro de
grande movimento que empolgava o comércio de
toda aquela zona. É preciso dizer que a
exportação de café era muito volumosa, mas
que também todo o abastecimento da região se
fazia pelo Saco, onde os navios, que vinham
buscar café traziam todas as mercadorias
para o comércio local, e isso lhe dava
invejável primazia mercantil e enorme
prosperidade. Além das grandes fazendas dos
Breves, dos Xavier da Rocha e tantos outros,
onde se levava vida de opulência e luxo,
havia no Saco de Ingaíba, palacetes e
solares senhoriais, onde os fazendeiros
ficavam na época dos negócios, hotéis de
razoável conforto, casas comerciais e
armazéns; em suma todos os elementos da
existência movimentada e ativa daquele
centro de transaç·es mercantis.
Para uma
justa estimativa de todo o valor deste
entreposto, basta citar o fato de ter
custado até 1855 aos cofres fluminenses, a
alta soma de 623 contos de réis, a estrada
velha de Mangaratiba à São João do Príncipe,
quando foi entregue ao Desembargador Joaquim
José Pacheco, que incorporou uma companhia
para reconstrui-la, tornando-a numa extensão
de 4 léguas uma excelente via de
comunicação, como ainda hoje a encontramos,
macadamizada com obras de arte, pontes,
aterros, pared·es e bueiros, tudo feito com
segurança e sobriedade. Sobreleva notar que,
neste período áureo a Província do Rio de
Janeiro antecipava a política rodoviária dos
governos modernos, empregando 42 por cento
de sua receita na construção e conservação
de estradas, pontes e canais. Cada légua da
estrada de Mangaratiba custou 315:800 $
aproximadamente, algarismos que naquele
tempo representavam soma ponderável, quer
para os cofres públicos, quer para os
particulares. Mas em compensação passavam
pela estrada anualmente, mais de 1.500.000
arrôbas de café. É certo que a companhia
explorada dessa estrada faliu, mas
intervieram outros motivos, que não há lugar
para se referir aqui, quando damos apenas os
índices da prosperidade dessa região
cafeeira.
Quando,
porém o café desertou daquelas paragens, no
último quartel do século passado, e a
construção das estradas de ferro Pedro II e
Piraiense, modificou o aspecto econômico da
região, o porto de Mangaratiba ficou
deserto, o povoado do Saco arruinou-se a
pouco e pouco até desaparecer, ficando ainda
de pé meia dúzia de paredes apenas, e a vida
desceu novamente para a beira mar e hoje,
não há senão lembranças da terra outrora
florescente e progressiva. As ruínas evocam
o esforço audaz e magnífico de todos os que
porfiaram e fizeram nessa região um centro
fecundo de trabalho e riqueza. Há de ficar
na lembrança dos habitantes de Mangaratiba,
e na sua própria história, a figura do velho
Coronel Joaquim José de Souza Breves, que
com sua grande tenacidade, fez de
Mangaratiba um centro de riquezas,
transformando a pequena vila em um
importante escoadouro de riquezas da terra
fluminense. Sua fazenda no pontal da
Marambaia e seus grandes latifúndios, foram
durante vários décadas o principal reduto
econômico e pólo de riquezas da região.
Mas as leis
econômicas tem determinantes fatais e
exigiram que o café fugisse daquelas regiões
e fosse mais para o sul, buscar na terra
roxa o lugar privilegiado para a sua
floração máxima, e agora continua ele a
descer em busca de novas paragens, na sua
inconstância nômade. O Estado do Rio de
Janeiro guarda a lembrança da opulência que
ele permitiu. Inúmeras cidades, fazendas e
estradas e o próprio mato, nos mostram com
saudades os traços e vestígios de uma
riqueza que não volta. |
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