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Autor: Aloysio C M I J Breves Beiler
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O quilombo de São José da Serra fica próximo de Conservatória, distrito de Valença, e de Santa Isabel do Rio Preto, interior do Estado do Rio de Janeiro. Estivemos lá em oito de setembro. No caminho, uma parada no mirante da serra para apreciar a magnífica vista da Serra da Beleza. Estrada poeirenta com a seca do mês de inverno, chegamos ávidos para nos refrescar. Alguns goles de água, vimos então o belíssimo vale onde está a comunidade. Ao longe, imponente, está um jequitibá, e aos seus pés algumas casas de barro e sapé.
Serra da Beleza, próximo ao quilombo de São José da Serra.
O motivo da visita foi o encontro com uma equipe de graduandos em Jornalismo da UMC - Universidade de Mogi das Cruzes, SP, que registravam para um documentário (TCC – trabalho de conclusão de curso), a saga da história do café no Vale do Paraíba. Comandados pela eficiente Denise Alves, câmeras à mão, e muita disposição para enfrentar a poeira, chegaram, por volta das 14:00 h as desbravadoras jornalistas: Denise Alves, Gisele Hirata e Viviam Palmeira. Um carro (originalmente preto) amarelado da poeira fina parou na entrada do pátio, onde se realizava a festa. Não as conhecia, e o ambiente estava repleto de turistas, jornalistas e pessoas ligadas ao movimento quilombola e à causa dos negros. Reconheci a Coordenadora Denise através do equipamento profissional que carregava, e Viviam de prancheta em punho, anotando tudo, já escrevera meu nome em grandes letras para me procurar.
A jornalista Denise Alves em ação...filmando a roda de jongo em S. José da Serra. (08/09/07)
Apresentados, procurei por Toninho "Canecão", responsável pelo evento e presidente da Associação de Moradores do Quilombo São José da Serra, que nos assegurou que ao anoitecer aconteceria o tão esperado jongo. Atarefado e gentil com os presentes, não parou um só instante. Pude então observar mais amiúde o pequeno arraial. Um pátio de terra, algumas barracas de barro e bambu cobertas de folhas de palmeira, um salão para eventos, uma escola e uma capela. Soube que havia sido rezada uma missa pelo pároco da região, em culto africano. No singelo templo: imagens de santos, atabaques e retratos dos antigos escravos fugidos. Quem gosta de História e presenciava o evento, estava eufórico e certo de participar de uma tradição africana. A comunidade, formada por volta de 1850, por escravos bantos adquiridos pela fazenda Santa Isabel para a lavoura de café, possui hoje mais de 200 descendentes dos primeiros casais que ali fixaram residência: Tertuliano e Miquelina; Pedro e Militana. Nos fundos de uma casa de barro, uma porta e na penumbra duas velhas senhoras negras conversavam.
Pés no chão, e pito na boca, estava preocupada com uma foice que sumira. As pernas estropiadas não permitiam que se deslocasse até o terreiro do jongo.
Maria Santinha Sarapião e Comadre Jorgina
Com o andamento da conversa, não resistiu.
Bati as fotos na digital e no visor mostrei.
O fogão de lenha apagado naquele casebre de pau-a-pique, a penumbra, o linguajar da roça daquelas negras centenárias, transportam qualquer um para o coração da mãe África. Agradeci a gentileza das fotos e segui na minha busca. Voltando para o terreiro, eis que vimos chegar um senhor impecavelmente de branco. Boné, sapatos brancos e uma bengala. Cumprimentos e saudações de todos que se aproximavam daquela figura impressionante. Mestre Manoel Seabra com 89 anos, esbanja simpatia e sabedoria.
Aprendeu a fumar cachimbo com o pai, por causa de uma dor de dente.
Falou dos remédios naturais da região.
Sentado num banco de madeira comprido, Mestre Manoel Seabra recebia pedidos e mais pedidos de fotos. A elegância e brancura das roupas era para o jongo que ia dançar.
A elegância de Seu Manoel Seabra, mestre jongueiro, aos 89 anos.
Outras comunidades jongueiras fizeram-se representar, mas o público era pequeno. Toninho "Canecão" me disse que no encontro de Jongo realizado anualmente (o de 2006 foi lá) estiveram pelo menos 3.000 pessoas prestigiando o evento. Conversei também com as meninas puxadoras dos pontos: Maria Luzia e Mére, filhas de Tião, um negro simpático e alegre. Perguntei-lhe se bebia. Suas filhas riram muito.
Realmente! Baco e os deuses africanos não o deixavam cair. A descoberta e abertura da comunidade para o mundo é recente. O isolamento foi rompido pela globalização, pelo turismo e a abertura de estradas na região. Os moradores de São José da Serra adquirem os bens e alimentação em Santa Isabel e Conservatória, ou até mesmo em Valença, bem mais distante. As crianças do quilombo são encantadoras. Alegres e extrovertidas, dançam e correm o tempo todo. Especial atenção mereceu Paloma, de um sorriso cativante, e os meninos que batem nos tambores como se adultos fossem. Grupos de capoeira se apresentaram levantando poeira do chão do terreiro. Vale destacar a participação feminina, ágil e de coreografia exemplar. Por volta das 18:30 h, reunidos no salão, saíram em procissão em direção a fogueira acesa cantando o primeiro ponto. Emocionante o desfile. Mãe Teté (Terezinha), matriarca da comunidade com água de benzer numa cabaça, aspergia os convidados com uma folha de palma. Benzida a fogueira e convidados, a roda se abriu para que a dança do jongo fluísse. Cantavam:
Com a fogueira crepitando o jongo seguiu sua roda. Crianças, jovens e adultos dançaram vários pontos. O ápice da roda de jongo foi a dança de Seu Manoel Seabra e o ponto tirado por ele. Aos 89 de idade, esbanjou vitalidade e graça. Tudo isso, registrado pelas hábeis jornalistas, que antes do jongo entrevistaram Toninho "Canecão" e Seu Manoel Seabra, que contou histórias de sua vida no quilombo. Saímos de São José da Serra com a certeza que a África é parte do Brasil, e que as tradições são respeitadas e passadas aos mais jovens. Toninho "Canecão" me avisou na saída que logo após haveria um baile de calango, intercalado com roda de Jongo na fogueira, até o sol raiar. Fica para a próxima vez. Retornamos para Conservatória por volta das 20:00 horas, com as jornalistas comendo poeira atrás de nosso carro. Paramos em frente ao Museu Vicente Celestino e Gilda de Abreu, excelente acervo do grande cantor e sua mulher, numa casa estilo colonial, com móveis que pertenceram ao casal, roupas de casamento, do filme "Ébrio", violão, rádio, troféus e discografia. Fomos recebidos gentilmente pelo Sr. Curador Wolney Porto, que nos cedeu uma das salas para a entrevista. A entrevista de 45 minutos foi dividida em duas partes: a entrada do café no Vale do Paraíba e a família Breves. Perguntas inteligentes e bem formuladas pelas jornalistas Denise, Gisele e Viviam, facilitaram minha exposição. Espero ter contribuído para o êxito do documentário, e pela competência demonstrada pelo trio de cineastas/jornalistas, será um sucesso.
Denise Alves da UMC-SP As jornalistas estiveram no mês de agosto/07 percorrendo diversas fazendas antigas de café: Ponte Alta, Taquara, São João da Prosperidade e gravaram inúmeras fitas com entrevistas. Retornaram para Mogi com a árdua tarefa de compilar e formatar esse material para o documentário. Acho que em novembro próximo poderemos assistir ao filme. Sucesso e Boa Sorte!
Uma certeza ficou: todos nós, visitantes do quilombo pela primeira vez, não esqueceremos a noite mágica, aquecidos pela fogueira e pela dança do jongo de São José da Serra.
Denise Alves e Gisele Hirata, jornalistas da Universidade de Mogi das Cruzes, SP, preparando uma entrevista. Quilombo de São José da Serra, RJ.
© 1996/2022— Todos os direitos reservados: Aloysio Clemente M. I. de J. Breves Beiler. História do Café no Brasil Imperial - brevescafe.net - Rio de Janeiro, RJ. |
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