Visita a fazenda da Grama. Conde d'Ursel - 1873

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  Fazenda de São Joaquim da Grama em Passa-Três, Rio Claro, RJ.

 

Visita à fazenda da Grama.

Conde d'Ursel em 1873

 

     

Depois de haver visitado as fazendas do Barão de Nova Friburgo numa excursão que muito lhe impressionara, o Conde d'Ursel, diplomata belga que viajou pelas Províncias do Rio de Janeiro e São Paulo nesta época, desejou conhecer um grande lavrador, tipo perfeito de fazendeiro do Brasil de antanho.

O próprio d'Ursel conta sua viagem à Fazenda da Grama no ano de 1873, no munícipio de São João do Príncipe em Passa-Três:

"Correm no Brasil, informa d'Ursel, a respeito da existência destes "grands seigneurs"feudais por assim dizer, certas lendas que os representam como cometendo singulares abusos de poder ou arriscando uma resistência cheia de peripécias contra a autoridade impotente para fazer valer os seus direitos. E como não seria assim em face do verdadeiro poderio de que dispõe estes "landlords"?

Possuem imensas terras, florestas quase impenetráveis, cujos refúgios são os únicos as conhecer. Milhares de escravos lhes pertencem a quem podem amotinar para opor a força à força. O nosso novo hospedeiro era destes a quem se atribuíam estas espécies de lendas, e o primeiro aspecto de sua moradia contribuía para reforçar a credulidade daquilo que se ouvira narrar.

Descavalgamos diante de sua casa grande, edifício sobre uma série de terraplanos que lhe davam perfeito aspecto de fortaleza. Subimos por uma escada estreita e um dos primeiros cômodos com o qual nos deparamos, estava atopetado de armas - espingardas, bacamartes, etc..., o que nos aumentava a ilusão. Atravessamos o portão central, quadrado constituído pelas senzalas, vasta colônia onde formigavam os negrinhos escaniçados, as mulatinhas novas, os cativos velhos, alquebrados pelo trabalho e os anos, e os belos rapagões que formavam a escolta do senhor, quando saía a viajar.

     
  Meus companheiros e eu, continua o conde belga, fomos acolhidos com a mais perfeita cortesia e distinção pela dona da casa. Era hora do jantar e a senhora fez passar os hóspedes para o refeitório da fazenda, cômodo enorme onde existia uma mesa de dimensões extraordinárias quanto ao comprimento. Em torno dela assentaram-se numerosos convivas, nada menos de trinta. O número de lugares vazios atestava, aliás, que ali se praticava ilimitada hospitalidade. As numerosas crianças, os parentes e amigos agrupavam-se mais ou menos hierarquicamente à ponta da mesa.

A gente de fora sentou-se em lugares que, à vontade escolhera. Havia ali hóspedes, cujos hospedeiros mal lhes conheciam os nomes, viajantes, gente pobre e pedinte que lá fora ter para implorar um óbulo. Escravos descalços, vestidos de preto e branco circulavam em torno de nós, enquanto moleques armados de longos caniços, na ponta dos quais se agitavam finas tiras de papel, movimentavam o ar da sala procurando afugentar as moscas que poderiam importunar os convivas.

Sud-Amérique ; séjours et voyages au Brésil, à La Plata, au Chili, en Bolivie et au Pérou. Charles d' Ursel, Comte. Paris, E. Plon, 1879.    
     

Ao terminar o jantar apareceu o fazendeiro - o todo poderoso, Coronel Joaquim José de Souza Breves. Era um homem de setenta e três anos, que não parecia contar mais de cinquenta; homem de seis pés de altura. Apesar do aspecto um tanto bravio, tinha ares de grande fidalgo. Quando entrou na sala, vestido como um roceiro, metido em botas que lhe iam até o alto das coxas, levantaram-se todos. Os filhos e netos vieram beijar-lhe a mão, e os escravos curvaram-se para lhe pedir a benção.

Há engano do Conde d'Ursel em relação à idade do Comendador. Nascido em 1804, contava então com 69 anos de idade, e não 73 como afirma. Não é aliás o erro muito considerável. Embora pela manhã, já houvesse feito seus quarenta quilômetros de marcha à cavalo, a atitude deste velho de alta estatura e ereto, não traía a menor fadiga, continua o Conde d'Ursel.

Sua principal ocupação, consistia em percorrer suas imensas fazendas, contíguas umas às outras e formando por assim dizer, um reinozinho. Numa extensão de trinta léguas, o viajante não sai de suas terras; vai até o litoral atlântico, e ainda possui um a ilha com vinte e cinco léguas de periferia. Cerca de oito mil escravos vivem em suas propriedades, consagradas quase que exclusivamente à cultura do café. Como eu voltasse à casa da fazenda à cavalo, ao lado do administrador, português como quase todos os seus colegas e muito orgulhoso de sua gerência, ia ele enumerando as qualidades e vantagens das diversas fazendas e lavouras que percorríamos. Estes, disse-me, apontando magníficos cafeeiros, estão bem criados. Já têm trinta anos e ainda dão meia arroba por pé. Aqui está a verdadeira riqueza do Brasil! E como atravessássemos um algodoal, cujos capulhos se abriam para deixar escapar os flocos cor de neve, o administrador de Joaquim Breves, colérico, decapitou algumas hastes como se quisesse, deste modo testemunhar o pouco caso que se fazia de tal produto.

Texto: TAUNAY, Afonso. História do café. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1939-1943.

 
     
 

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