A Guarda de Honra do Príncipe Dom Pedro na viagem a São Paulo – Testemunhas do Grito do Ipiranga

Comendador Joaquim José de Souza Breves

Fazenda de São Joaquim da Grama, Rio Claro, RJ.

 

 
O grão-senhor rural fluminense

 
  Fazenda de Santo Antônio da Olaria
 

O Comendador Joaquim José de Sousa Breves, foi o maior dos Breves, figura patriarcal de grão-senhor rural. O mais opulento fazendeiro no Brasil Imperial, rei do café de sua época. Nasceu em 1804 na fazenda Manga Larga em Piraí, faleceu em 1880 na fazenda de São Joaquim da Grama, em São João Marcos, sede das inúmeras propriedades agrícolas que lhe pertenciam. Sepultado na Igrejinha pequena e branca, no alto do outeiro, perto do solar da Grama, com altar de estilo colonial, talhado em madeira. Nas paredes laterais, três lajes frias, trazem as lápides dos Breves, aí enterradas.
O casamento naquele tempo era mais um negócio de família do que uma questão de sentimento. Casou-se com sua sobrinha, Maria Isabel Breves de Moraes, filha dos barões de Piraí - José Gonçalves de Moraes e Cecília Pimenta de Almeida Frazão de Souza Breves, sua irmã. Nessa mesma data foi agraciado com a comenda da Ordem de Cristo. O casal teve oito filhos.

I Cecília c.c. Comendador João Martins Cornélio dos Santos.
II Saturnina c.c. Dr. Antônio Cândido da Cunha Leitão.
III Leôncia c.c. Luís Alves de Oliveira Belo, várias vezes deputado e presidente de diversas províncias do Império.
IV Maria Isabel c.c. seu primo Silvino José de Moraes Costa.
V José Frasão c.c. sua prima Cecília de Moraes Costa.
VI Joaquim José c.c. Justina Bulhões Belo.
VII Rita c.c. Conde Fé d'Ostiani, ministro da Itália no Brasil.
VIII Mariquinhas c.c. Streva

Criado em fazenda, Sousa Breves, habituou-se à lida do campo. Recebeu boa instrução. Inteligente, aprendia com facilidade. Predestinado a grandes realizações e cometimentos tornou-se uma personalidade invulgar. Combatente complicado, respeitado, temido, às vezes bom e generoso se fazia querido. Era impulsivo deixando-se dominar pela extrema vibratibilidade do sistema nervoso. Isto o levava a atos de severidade e a demonstrações das melhores ações de altruismo. Com a mesma facilidade que mandava punir um serviçal, agasalhava famílias inteiras desprotegidas da sorte.
Fisicamente, era um homem atraente, media seis pés de altura, magro espadaúdo, feições enérgicas, algo voluntariosas, olhar dominador, usava barba, bigodes raspados, longos cabelos castanhos repartidos de lado, emoldurando o rosto simpático e austero. Na velhice sua fisionomia transformou-se; as feições endureceram, o olhar tornou-se inquisidor, penetrante, os cabelos rarearam, barba encanecida, à moda passa piolho, o os bigodes sempre raspados.
Por nascimento e posição foi admitido no Paço como moço fidalgo da Casa Imperial. Em 15 de agosto de 1822 em São João Marcos, incorporou-se à comitiva regencial, com Guarda de Honra de D. Pedro, indo a São Paulo e Santos, na volta assistiu o grito da independência, no Ipiranga. Dos presentes que presenciaram esse fato histórico Sousa Breves foi o último a falecer. E era de se ver o ardor com que se referia ao brado famoso, parecia até aquela data histórica em carne e osso. Com que enternecida saudade exibia aos amigos a sua farda de Capitão da Imperial Guarda de Honra do filho de Carlota Joaquina.
Frequentou os salões do Rio de Janeiro, trajava-se impecavelmente e era considerado um dos elegantes da época, com Gurgel do Amaral, Mayrink, Joaquim Nabuco, Rodolfo Dantas, José Maria Leitão da Cunha, Teófilo Benedito Ottoni, casado com uma sua parente, e muitos outros.
Participou ativamente da política, filiado ao partido liberal. Em 17 de maio de 1842 eclodiu o movimento revolucionário liberal, do qual foi um dos chefes na Província do Rio de Janeiro, em zona limítrofe a São Paulo. Mantinha ligação com o Comendador Antônio José Nogueira, de Bananal. Os Breves de Piraí, tramaram nessa cidade, mediante o pagamento de 10 contos de réis, o assassinato do Major Pedro Paulo, comandante das forças de vanguarda, que já haviam atingido Areias. O plano fracassou. Caso vencesse a revolução, o Comendador Joaquim José de Sousa Breves seria indicado para presidir a Província do Rio de Janeiro. Com a prisão do brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar e do padre Diogo Antônio Feijó, terminava a revolução em 12 de julho de 1842.
Em 7 de novembro de 1848 estala outra insurreição liberal em Pernambuco, chamada Praieira, cujo chefe militar foi o Capitão Pedro Ivo Veloso da Silveira. O combate decisivo se deu em Recife em 2 de fevereiro de 1849, com a vitória das forças legais. Pedro Ivo foi preso e encarcerado na fortaleza da Laje, no Rio de Janeiro.
Foge da fortaleza aquele chefe militar rebelde, levado na carruagem de Teófilo Ottoni para a casa do Senador José Martiniano de Alencar. Sousa Breves, fervoroso adepto do partido liberal, protege os revoltosos de Pernambuco, homisiando Pedro Ivo em uma de suas fazendas.
Foi presidente da câmara de Piraí, deputado geral em 1878 na legislatura que procedeu a primeira eleição direta.
Amava sobretudo a gleba, a quem estava ligado por laços eternos. Sob a chefia desse homem extraordinário os cafeeiros eram plantados em ondas verdejantes, pelos vales, colinas e encostas de seus imensos latifúndios. Desflorestar, preparar a terra e plantar era uma constante de sua vida. Foram plantados mais de cinco milhões de mudas de cafeeiros. Em 1860 colhia 205.000 mil arrobas de café, ou seja, 1,45 por cento da safra total do país, que fora de 14.125.785 arrobas. Em 1887 sua colheita deveria oscilar entre 250.000 a 300.000 arrobas.
À medida que intensificavam as culturas, aumentava a necessidade de braços, alimentos, vestuários, senzalas, hospitais, medicamentos, terras, inclusive disciplina, e tudo mais para uma fecunda administração. Mas, a tudo provia esse fabuloso senhor rural, e o fazia sabiamente.
As fazendas umas havidas por herança, outras adquiridas, sucediam-se na formação do patrimônio: Confiança, com seus belos jardins suspensos, Laje, Glória, Alto dos Negros, Parado, Morro do Frade, dantes refúgio de um bandido ferocíssimo, que se disfarçava em um burel de monge, Fortaleza, comprada de quatorze irmãos que mantinham um serralho, com salas gradeadas, portas falsas e subterrâneos, Retiro, Retirinho, Flaviana, Santa Paulina, Matias Ramos, Bela Aurora, Figueira, Bela Vista, Conceição, célebre pelas dezenas de quartos para hóspedes do Rio. Olaria, cópia exata do Palácio do Podestá de Brescia, construída por um arquiteto italiano, ficara em meio, porque sua mulher não desejava mudar-se da Grama. Ainda Marambaia, Várzea, que pertenceu ao seu sogro, barão de Piraí - José Gonçalves de Moraes.. Esse grande devorador de terras chegou a possuir mais de quarenta propriedades, construindo um império econômico, onde reinava sem coroa, em prol do desenvolvimento do Brasil.
Na velha casa da fazenda de Santo Antônio de Olaria, Pedro I dormira quando de seu regresso do Ipiranga e a cama foi adquirida por uma dama paulista.
Não olvidar a enorme chácara que possuía no Rio em frente à Quinta da Boa Vista. Era a chácara da casa amarela na rua Nova do Imperador adquirida de Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, que pertenceu por sua vez à marquesa de Santos, comprada por Pedro I à favorita. Além da casa grande continha cocheira, senzala, cavalariças. De quando em vez, levava uma vida faustosa no palacete da chácara, mas logo voltava aos domínios rurais, onde encontrava a verdadeira razão de sua existência.
Sempre que o Imperador Pedro II, o sabia na corte, mandava convidá-lo a comparecer no Paço.
Suas fazendas se espalhavam ao longo de todos caminhos, partindo do litoral de Marambaia, entre Mangaratiba e Mambucaba, passando por São João Marcos, Rio Claro, Piraí, Passa Três até o vale do médio Paraíba.
A fazenda de São Joaquim da Grama era a sede de suas propriedades, era o solar preferido da família, onde acumulava suas riquezas, obras de arte, cercando-se de todo o conforto, riquíssima em servos, plantio, gado e casario. O prédio, de estilo colonial era uma antologia viva de gosto arquitetônico. Estatuetas, azulejos, trabalhos de talha, móveis raros, porcelanas caras, competiam com os relevos de cantaria de fachada, trabalhados por um orifício, que se esmerava em arabescos alegóricos, caprichosos como um ourives de pedra bruta.
As janelas do casarão abriam-se nas épocas de trabalho intenso de colheitas e plantios, ou nos dias e noites de festas. Também descerravam a porta da Igrejinha, para as cerimônias solenes, do mês de Maria e do Rosário.
Nas festas havia banquetes para os convidados, amigos e parentes. A cena seguinte se repetia amiúde: mesa posta para 20 a 30 pessoas, coberta por uma toalha de linho belga adamascada, no centro flores cultivadas e silvestres, pratos de louça inglesa, talheres de prata lavrada portuguesa com as iniciais JSB e copos do mais fino cristal. Servia as iguarias, em baixela de prata, negrinhos descalços de casaca vermelha. Eram alourados perus, leitoas "pururucas", assados no forno de barro de fazer pão, arroz soltinho, cozido nas panelas de ferro ou de pedra, no fogão de lenha. O cardápio regalava o mais exigente gourmet, regado com vinhos franceses e portugueses, ao som de uma orquestra de escravos. À sobremesa, doces caseiros, fios de ovos, baba de moça, papos de anjo, quindins, batata doce, abóbora e pés de moleque. Do pomar, colhidas pouco antes de servir, deliciosas jaboticabas bem pretinhas, abacates, abacaxis e suculentas mangas. Do Rio, vinham as frutas importadas, peras, maças, uvas e ameixas. Depois do café, da melhor qualidade da fazenda, era servido, cognac e charutos. Conversavam sobre política local, os principais acontecimentos ocorridos na corte e o assunto predileto era o café e suas vicissitudes. Os costumes, hábitos e educação eram palacianos. Nas tertúlias familiares, falava-se o francês por causa dos ouvidos indiscretos e bisbilhoteiros. A vida campestre transcorria ativa, num ambiente de conforto e segurança.
Em volta das construções verdejavam hortas e pomares, estendiam-se jardins encantados. A enorme senzala que abrangia as fraldas de um morro, abrigava mais de dois mil escravos.
À casa grande, ocorriam dezenas de políticos, ricaços e titulares. Centro político dos mais borbulhantes, São Joaquim da Grama, viu enredarem-se muitas dessas tramas ardilosas em que eram férteis os lugarejos do interior.
Completando esse quadro, a bela estrada Imperial que se estende de São João Marcos a Mangaratiba, construída em parte às expensas do Comendador, para escoadouro de sua safra de café, rumo ao litoral. Rodovia bem pavimentada com largos rasgões na rocha viva, com uma soberba ponte de um só arco, a Ponte Bela, elegantíssima, toda de cantaria, com bebedouro para animais, em pedra esculpida, e a chamada casa da Barreira, de um grande luxo de ornatos. Por aí, rodavam todos os dias se sessenta a setenta diligências e mal davam para veicular a sofreguidão de ganho que alvoroçava as duas cidades. Por essa estrada de rodagem que ligava ao saco de Mangaratiba, o Comendador descia diariamente mais de mil sacas de café de suas propriedades, dai o desinteresse dele por uma estrada de ferro para Angra dos Reis. A estrada era pública, mas beneficiava em particular o grão-senhor rural, que ia embarcar o café em Mangaratiba, e receber aí, provindos da África, as centenas de pretos que lhe trabalhariam a terra.
Acentue-se que todo serviço marítimo, seja o comércio de café, seja o comércio negreiro, era feito por navios do Comendador, o vapor Marambaia e o navio a vela Emiliana, assim denominados por ordem sentimental. O primeiro recordava a sua cara fazenda insular, base de sua imensa prosperidade. Recordava o segundo o nome de sua sobrinha e cunhada Emiliana, a quem devotava grande afeição, falecida na flor da idade, primeira mulher do Conde de Tocantins.
O comendador Joaquim José de Sousa Breves se servia de todos os meios para exploração de suas terras. Era um homem obstinado e não titubeava em levar avante seus propósitos. Suas lavouras exigiam sempre maior número de braços, daí então, envolveu-se no tráfico de escravos, e como bom comerciante, as sobras, quando as havia, exportava e vendia aos mercados consumidores. Devemos convir, que assim procedendo, seguia o costume e a mentalidade da época, como outrora, os paulistas escravizavam e traficavam com os índios. Eram os métodos para suprir a lavoura de mão de obra barata, cujo custo e manutenção, barateava a produção. Talvez no futuro também o atual sistema de trabalho seja condenado e execrado.
Como traficante de escravos, ou cúmplice, apareceria pela primeira vez, em 1851, por causa de um desembarque de vulto na Marambaia. Os negros reunidos inicialmente na fazenda Coroa Grande, passaram depois por Maromba, serra acima, levados por um fulano Pimenta, seu sobrinho, segundo o depoimento do sitiante local Domingos Lopes Coelho, confirmado perante o juiz Luciano da Silva Rangel. Dormia o denunciante, tarde da noite, quando ouvia umas vozes e um rebuliço perto de sua casa. Levantou-se para ver do que se tratava, e soube que era gente de uma caravana, a pedir o rumo certo para as terras de Joaquim Breves. O mesmo juiz Luciano Rangel, com jurisdição em Mangaratiba, pedia que lhe dessem mais recursos para a sua vigilância, porque não confiava na Guarda Nacional de sua comarca, às ordens de pessoas interessadas no tráfico de negros.
Outro alto funcionário da confiança de Nabuco de Araújo, José de Sá Rego, tomara parte, durante vários meses, na patrulhamento naval da costa entre São Sebastião e a Marambaia, sempre a bordo do Recife, o navio do comando ainda do Primeiro Tenente Delfim Carlos de Carvalho. E na Marambaia ele e Delfim haviam recebido notícias, que mais os levariam recomendar às autoridades fluminenses, que ficassem bem de olho nos movimentos do Comendador Sousa Breves. Realmente acabava o grão-senhor daqueles arredores e das serras próximas, até Piraí, de comprar mais uma gleba no litoral, e constituindo-se de terras estéreis, - perguntava Sá Rego ao presidente da Província - para que diabo desejava ele, senão para fins suspeitos?
Os Breves eram poderosos e o tributo sobre o café, rendia para os cofres do Império vultosas somas; ademais era necessário muita coragem para enfrentar essa gente, que até, empréstimos financeiros fizeram a Coroa. Tal foi a preponderância de Joaquim Breves e seu irmão José nos meios financeiros e agrícolas, que o seu nome e de sua família tornou-se popularíssimo em todo país. Em todas as suas decisões era irrestritamente apoiado pelos demais Breves, orientador indiscutido de uma grei tão numerosa, quanto as antigas tribos bíblicas.
Proprietário de mais de seis mil escravos o Comendador Joaquim José de Sousa Breves, empregava-os, como massa de manobra que distribuía nos seus diversos latifúndios, onde o serviço reclamasse momentaneamente maior quantidade de braços.
O que se via na Grama e Olaria suas fazendas favoritas, eram negros por toda parte, como se fossem moradores de um arraial qualquer e não somente trabalhadores do eito. Fora dos solares viviam os negros adultos, e no seu interior viam-se enxames de negrinhos nus ou vestidos, por baixo das mesas e cadeiras, nas salas, nos quartos e nas cozinhas, sempre atentos aos pedidos de sinhás e sinházinhas, para que apanhassem isto ou aquilo, e das cozinheiras para que trouxessem aipim, lenha, alfavaca e couve das hortas.
A cada momento fugiam numerosos escravos das lavouras do norte paulista para se homisiarem entre a escravatura de Joaquim Breves, onde recebiam melhor tratamento do que nas fazendas dos antigos donos. Passavam a ser de bom cativeiro. E Breves não os deixava voltar ao domínio dos antigos senhores. Estavam sob sua proteção e os escondia, ora nessa, ora naquela de suas imensas fazendas a grande distância uma das outras.
Senhor de tantos milhares de seres humanos compreendeu o fazendeiro, inteligente como era, que a melhor disciplina seria a temperada com certa brandura com os seus cativos e tinha especial habilidade para conduzir o seu rebanho. Querendo grangear a simpatia dos negros, sempre irritados pela energia dos feitores mostrava-se bondoso, o que se resumia em melhoria da bóia, em maiores rações de cachaça e na permissão para as danças, com adufe e cavaquinho. No terreiro da fazenda havia, cateretê, batuque e jongo, sendo este último a o mais apreciado.
Além disso, aquela que lhe era companheira dedicada a piedossisima monja sem escapulário, Maria Isabel Breves de Moraes, não gostava de ver seus escravos castigados pelos feitores. Mas, a disciplina devia ser mantida, embora, não fosse permitido sevícias nem mutilações. O castigo do açoite era aplicado naqueles que desobedeciam, furtavam e principalmente se agrediam.
Desde os mais remotos tempos, até a abolição a escrava era a concubina do chefe da casa, assim como, às vezes, a primeira amante de seus filhos.
Caxambu era uma festa que ocupava posição intermediária, entre a cerimônia religiosa e a diversão secular. Os jongos improvisados, os desafios, durante o caxambu, ainda são cantados na vale do Paraíba. Essa festa apresentava uma oportunidade para comentários, maliciosos, solertes, a respeito da sociedade de que os negros de um certo modo, eram parte integrante. Eis um caso, segundo um velho jongueiro, de uma escrava que tinha relações com o Senhor, Sinhá D. Maria era a esposa legal:


Eu ti má com Sinhá D. Maria
Mas tou bem com o Sinhô Breves
As linhas de réplica analisavam de maneira fria e prática a situação:
Você ta má com D. Maria
Mais D. Maria tem crédito na cidade, arruma lá.


Aludia também a uma briga na família a respeito de terras perto da estação de Belém:


Breves com Moraes todo dia tá demandando
Todo dia tá demandando por causa de terra de Belém
Terra sendo meu, boto divisa no meio.


Com prévio consentimento dos feitores, os casamentos entre escravos eram uma cerimônia pagã. Os casais se sentavam nos bancos das casas daqueles, que os declaravam marido e mulher, dando licença de irem para suas choças. Quando alguém perguntava aos nubentes em que lugar se realizou o casamento respondiam:


"No banco de Sêo Fulano ou de Sicrano..."


A condessa Fé d'Ostiani falecia deixando uma filha, Paulina, com seis anos de idade, que ficou sob os cuidados dos avós da Grama. Após um ano desse acontecimento o conde Fé d'Ostiani foi transferido do Brasil e pediu a filha de volta, porque, tencionava levá-la em sua companhia. A vovó da Grama não quis entregar a neta, porque, receava que as governantas a maltratassem. O conde, diplomata de carreira, usando de suas prerrogativas de ministro da Itália, apelou para o Imperador para que a filha lhe fosse entregue, no que foi atendido. Uma bela manhã, rompe na fazenda da Grama, o capitão Piragibe, comandando uma escolta, com mandado de busca e apreensão da menina.Alguém da fazenda, bate o sino dando alarme, imediatamente surgem de todos os lados homens brancos armados de espingardas e garruchas, pretos acorrem com facas e facões, cercando a tropa. O capitão Piragibe com toda prudência, a fim de evitar uma luta sangrenta, dá ordem de retirada aos seus soldados. Nos dias seguintes as buscas continuaram, totalmente infrutíferas, pois a babá da menima, a escrava Lisão, a escondia ora num, ora noutro lugar. Na data inadiável para sua viagem o conde embarca sozinho, caindo o incidente no esquecimento. Mocinha, Paulina se reúne ao pai, casando-se depois com o conde de Montholon, neto do general e amigo de Napoleão. Na tumba da escrava Lisão foi colocada uma lápide com o seguinte epitáfio - "Serva fiel e dedicada."
Simultaneamente Joaquim José de Sousa Breves, era um homem da serra e do mar. Possuía em Mangaratiba um empório fabuloso, com armazens imensos, e trapiches para embarque e desembarque do que importava e exportava, não na vila, mas um pouco adiante no suco. O Comendador não possuía somente armazens e trapiches para seus negócios em Mangaratiba, como também, casa a vista dos Xavier da Rocha; cultivava chácaras com plantas escolhidas e pomares com frutas de toda parte e até um teatro para divertimento seu, da família e amigos, onde representou João Caetano o maior ator brasileiro da época.
De natureza andeja, percorria Sousa Breves as suas fazendas constantemente. Por vezes, na estrada era saudado por um negro com o clássico cumprimento:

- "Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo" ou "Sôs Cristo".
- Para sempre seja louvado, você donde é?...
- Do Sinhô.
- Que você é meu eu sei; o que desejo saber é de que fazenda você pertence.

Deixando-se ficar dias em São Joaquim da Grama, contudo dividia o tempo por todas as outras fazendas inclusive a Marambaia que dentro da organização agrária, possuía uma função relevante. De japona azul para ali se dirigia, partindo de Mangaratiba, a bordo de um de seus barcos. E dentro em breve regressava, serra acima, num dispêndio contínuo de energia, absolutamente espantoso.
Mangaratiba, antiga povoação de índios, terra das begônias, deveu a sua prosperidade ao clã dos Breves. O porto de embarque de café não era propriamente na enseada da vila, mas um pouco acima no saco de Mangaratiba, onde se estabeleceu o centro comercial. Porto tributário de vasta zona cafeeira, exportando mais de um milhão de arrobas de café, teve dias de extensa atividade. Tornou-se pois, um dos centros principais da vida fluminense como escoadouro da grande produção própria e alheia. Durante anos representou eloqüente índice de expansão da região cafeeira, cujo resultado era existência de fartura e luxo nos palacetes e solares senhoriais, hotéis de razoável conforto, casas comerciais e armazéns, expressivos elementos daquele movimentado centro de transações mercantis.
A prosperidade da ilha da Marambaia, data da aquisição feita pelo Comendador José de Sousa Breves. Quem vinha do Rio de Janeiro para Mangaratiba por via marítima, encontrava na fazenda da Marambaia, na orla do oceano, o primeiro marco do poderia agrário dos Breves. Na Marambaia plantava-se café, cereais, milho, feijão, mandioca, cana de açúcar e criava-se gado. A sede da fazenda era um solar grandioso e confortável, o qual media cinqüenta e oito metros de frente, com um largo alpendre, hoje de propriedade do Ministério da Marinha. Dispunha de senzalas, pomares com grande variedade de árvores frutíferas, plantas exóticas, coqueiral, tudo obra do Comendador. Mantinha Sousa Breves grande número de escravos que a cultivavam, quando, urgia intensificar o trabalho nessa propriedade, fazia descer mais braços, das de serra acima. A ilha de Marambaia era um ponto estratégico, abria completamente o domínio do mar para as comunicações seguras com os navios negreiros, que lhe traziam o braço necessário para o trabalho do cafezal. Por essa situação marítima, a fazenda era de importância vital para a grandeza latifundiária em baixo e no alto da serra. Aí, desembarcavam os pretos contrabandistas da África. Eram bem alimentados, retemperados da travessia transatlântica, curavam-lhes as sarnas friccionando-os com casca de coco, e depois eram distribuídos para as fazendas do continente. O objetivo era fornecer mão-de-obra forte, robusta para o trabalho nas fazendas. O comendador Sousa Breves, fechava os olhos para o cruzamento de feitores com as escravas. As praias da Marambaia, eram usadas para os banhos de mar da família e amigos que vinham do Rio de Janeiro e cidades vizinhas. Davam-se então grandes festas e bailes na restinga.
Dizem que o comendador tinha espírito galhofeiro, gostava de gracejar com hóspedes de maior intimidade. Entre outras brincadeiras, fazia subir num pedestal uma negrinha nua, ensinada, que ele apresentava como uma admirável escultura de ébano. Quando os presentes elogiavam a perfeição da obra de arte, ele dava ordem, dizendo: - "Salta crioula, vai-te embora."
Nas usas idas para o Rio, montava numa mula com arreios ricamente ajaezados de prata, para tomar o trem em Belém, evitando assim de passar pelos túneis da serra, porque dizia, não era minhoca para rojar-se sob a terra.
Ao dinheiro não dava grande importância. Na sua fazenda da Grama, maços de cédulas do Tesouro, escorriam pelas gavetas entreabertas. Uma das mucamas velha preta, que assimilou a voz e os gestos da patroa, confessou pouco antes de morrer, que se apoderara subrepticiamente de muitas dessas boladas para mandar comprar cosméticos e água de cheiro no Rio.
Por volta de 1880 os barões do café, começaram a se preocupar seriamente com a substituição do negro por colonos estrangeiros nas lavouras. O Messager du Brésil registrou nas suas colunas um baile em 1883, a que compareceu no mesmo dia de sua chegada um mandarim chinês, Tom King Sing, com seu comprido rabicho e suas vestes de seda, acompanhado de um secretário negro. Esse chinês era diretor da China Merchants Steam Navigation Company, que se propunha a trazer coolies para substituir o braço do negro escravo. O governo britânico, sabedor do fato, comunicou o governo Imperial, considerar a empresa que iriam se associar brasileiros, uma tentativa de tráfico amarelo. Daí, o malogro das negociações. Desnecessário seria dizer, que o comendador Sousa Breves era um dos interessados e participou das démarches, e do baile que se realizou na suntuosa mansão de sua sobrinha, Madame Haritoff, nas Laranjeiras, aonde se reunia a sociedade do Rio, em recepções e bailes que fizeram época. O Jornal do Comércio e a Folha Nova através de seus cronistas sociais, descreveram o que foi essa festa em homenagem a Tom King Sing, no salão de recepção do casal Maurício Haritoff, magnificamente decorado e as toiletes mais chics, entre elas: "Madame Haritoff, aparecia úbiqua, deslisante, gentil, trazendo um vestido de seda cor de palha, guarnecido de gase de Chambéry e rendas bordadas de prata, ao pescoço uma tira de veludo grenat, para destaque de pérolas e brilhantes; mademoiselle Breves, vinha em crepe de china branco com guarnições de ouro e pérola, enquanto Mme Breves (Joaquim) se apresentava em cetim branco damassé, adereçada de brilhants e esmeraldas. As mulheres da família Breves, brilhavam fulgurantes nas reuniões sociais e festas, exibindo toiletes e jóias riquíssimas. Nas festas que davam nos solares das fazendas, os convites eram disputadíssimos na corte e na província do Rio de Janeiro.
Resistiu o comendador à Elachista Coffeela, um microlepidóptero que surgiu em 1856, praga entomológica que reproduzia milhões e milhões de larvas que devoravam as folhas dos cafeeiros. Estudou Freire Alemão o caso e predisse que declinaria em breve. Realmente aconteceu. Em 1862 desapareceu a borboletinha causadora de tantos estragos. Os cafezais do Rio, Minas e São Paulo sofreram, porém, rudemente com essa praga.
Resistiu Sousa Breves, à queda de preços que acompanhava o câmbio a partir de 1874, atingindo o índice mais baixo em 1881. De 1882 em diante melhorou a situação cafeeira, passado o momento angustioso das operações chamadas de sindicato. Era denominado sindicato, uma sociedade formada por comerciantes e lavradores brasileiros, cujo objetivo era a valorização do café, comprando no mercado acima dos preços vigentes. Sofreram enormes prejuízos, porque não podiam competir com poderosas organizações estrangeiras.
Conservava-se forte o velho Breves, apesar de sua vida exaustiva, porque comendo e bebendo moderamente, tendo apenas o vício do charuto e do voltarete, chegando a emprestar dinheiro aos parceiros pobres para que jogassem contra ele, de preferência o Olímpio Gomes de Sousa, mestiço, inteligente, farmacêutico da fazenda.
Venceu o comendador Joaquim José de Sousa Breves todos embates de sua longa vida, menos a abolição empobrecedora, fixada por lei de 13 de maio de 1888, embora lutasse desesperadamente para se salvar. Ainda dias antes, comprava escravos, certo de que, o governo não teria coragem de privá-lo daquela propriedade legal.
Ultimada a emancipação empregou o resto de sua formidável energia em reclamar uma indenização do Estado que lhe arrebatara de chofre um capital avaliado em 6.000 contos de réis, tomando por base o preço de um conto de réis por escravo.
Morreu Joaquim de Sousa Breves em 1889, não chegando portanto, a ver a introdução do regime que inauguraria uma nova mentalidade política e social, tão diversa desse magnata de idéias reacionárias, sempre desconfiado dos ludíbrios da demagogia barata. Morreu ameaçado por todos lados, pela ruína total, sentindo o fragor do desmoronamento de sua obra, graças ao lance sentimental e discutível medida econômica que foi a Lei Áurea. O trabalho livre não revalorizou socialmente o negro, pelo contrário, continuou desajustado ocupando as atividades inferiores que atribuíam aos escravos. Morreu o opulento senhor de dezenas de fazendas, com um poderio quase feudal, arruinado pelo êxodo dos cultivadores do solo, desertação dos cafeeiros e a carcaça dos engenhos apodrecendo no abandono.
Por mais pessimista que fosse, então, mal sabia que seus palácios seriam conspurcados pela presença de elementos subalternos, que pisariam rudemente o mesmo soalho, dantes tocados de leve pelos sapatinhos de cetim de graciosas sinházinhas. Monarquista ferrenho, foi poupado de um grande desgosto, se sobrevivesse três anos mais, pois veria um dos filhos fazendo parte da constituinte como deputado republicano.
Nessa região de sua influência, outrora tão rica, fervilhante de vida e movimento, só havia desolação, tristeza e miséria, fazendas abandonadas, cidades mortas. Declinaram Laje, Glória, Alto dos Negros, Parado. Submergidas pela represa da Light, Julião, Retiro, Retirinho, Flaviana, Santa Paulina, e Matias Ramos. Fenecera igualmente Pinheirinho, Bela Aurora, Figueira, Bela Vista, Várzea e as demais fazendas. Da séde de São Joaquim da Grama, salvou-se parcialmente a ala direita do solar, entre frangalhos de engenho, pedaços de um vasto hospital, e vestígios de senzala destruída pelo fogo. Avulsamente perduram portões, pilares, azulejos, mosaicos, chafarizes com gárgulas alegóricas, colunas trancadas, arcadas bambeantes e pedaços de leões de mármore. Cocheiras, casa de tróleis, moinhos, paióis desapareceram de todo. Apenas na ala que resistiu, pode-se calcular o que teria sido em voluptuoso conforto o quarto das mucanas, sendo que algumas delas por efeito de benéficos cruzamentos, quase brancas e até alouradas, iam ao Rio, assistir com a patroa, as récitas do lírico no tempo do Tamagno e da Borghi-? , fazendo rugir sedas custosas.
A abolição da escravidão, encerrou a última página da história do café fluminense e de seus grandes senhores. Inclusive decidiu a sorte da monarquia. Os barões do café, sem a escravaria, perderam sua força e poder, assistindo impassíveis a proclamação da República.
Felizmente para o país a cultura cafeeira se alastrou pelos chapadões paulistas, na terra roxa...

CASTRO, José de Almeida Prado. Joaquim Breves. IHGB, Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro

   
   
   


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