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Segundo José Teixeira
Leite (*), em 1883, desembarcava no Rio de Janeiro, Tong King
Sing, diretor da Companhia Chinesa de Navegação Mercante. Veio
conhecer de perto nossa agricultura, onde travou um contato
cordial com agricultores e autoridades, visando estabelecer uma
linha marítima regular entre os dois países. No mesmo dia de sua
chegada foi recepcionado na suntuosa mansão de Maurício Haritoff,
na Rua das Laranjeiras.
Carl von Koseritz,
que só iria conhecê-lo, casualmente; dias mais tarde, numa
audiência com o imperador à qual ambos estavam presentes,
descreve-o sumariamente e sem qualquer simpatia numa anotação
referente ao dia 13 de outubro de 1883, depois recolhida a seu
livro Imagens do Brasil:
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O chinês veio aqui para tentar o comércio de carne
mongólica, e deles falarei ainda. Seu secretário é um negro
da Califórnia resplandecente de diamantes. O mandarim trazia
um escuro traje chinês de seda, e o curioso barrete de uso
no seu país, provido do botão azul dos mandarins. O rabicho
naturalmente pendia-lhe atrás; de bom tamanho e trançado com
arte. |
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Tong King Sing, diretor da Companhia Chinesa de Navegação
Mercante |
Tong King Sing taken by
C.W. Kinder c.1880. |
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Bem mais cáustico é o
comentário que lhe inspirou a recepção dos Haritoff a Tong King
Sing e a seu secretário negro, G. A. Butley:
Ali, naqueles
salões dourados, onde corria em torrentes o champagne pago com
suor dos negros, e nos quais a nata da sociedade daqui, que vive
do trabalho dos negros, exibe o seu luxo, o mandarim foi
naturalmente o herói do dia e considerado como um Messias. Traga
ele o tão esperado substituto do escravo negro, o amarelo, que o
fazendeiro comprará não por toda a vida, mas por uma série de
anos, e que poderá tratar como coisa sua. Certamente o chinês
foi ali considerado um hóspede muito em vista e muito festejado.
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O casal Haritoff. Maurice e Anna Clara
Breves de Moraes Costa que recepcionaram o chinês Tong King
Sing em seu palácio da Rua das Laranjeiras.
Maurice Haritoff,
fotografia. Coleção família Breves. Madame Haritoff.
Retrato, óleo sobre tela. Richter. Museu Nacional de Belas
Artes, Rio de Janeiro. |
Que ele tenha
surgido com um secretário negro é uma ironia do destino que com
isto chegava a fazer sensação; porque aquela brilhante
sociedade, que olha o negro com o maior desprezo, fazendo-o
trabalhar como um animal de carga, tinha sido forçada a receber
um representante da raça desprezada nos seus dourados salões - e
a festejá-lo. Mas a alta roda sabe fazer das tripas coração; o
negro poderia ter influência no comércio da carne humana, que
deve trazer um novo gênero de escravos ao país e um novo
elemento ao sangue do povo, e por isso era mister tratá-lo bem.
Além disso ele estava coberto de brilhantes e tinha a aparência
de um verdadeiro gentleman. Assim os chineses virão,
provavelmente, e trarão um novo elemento à vida nacional.
Quando eu vi hoje
no palácio imperial o longo rabicho do chinês pensei que todos
os partidários da imigração amarela deveriam também usar um
apêndice semelhante, para assim se distinguirem mais facilmente
dos outros filhos dos homens, o que seria muito prático.
E são de fato os
enrabichados do Brasil, esses barões do café, que na sua
importância e ambição espremem o negro como um limão, para
deixá-lo faminto e mendigando pelas ruas, quando ele fica velho.
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Carl Julius Christian Adalbert Heinrich
Ferdinand von Koseritz, ou Carlos von Koseritz, veio para o
Brasi em 1851. Colaborou para diversos jornais como "O
Noticiador", "O Povo", Eco do Sul entre outros. Publicou
diversos livros e crônicas: A Terra e o Homem (1884), Bilder
aus Brasilien (1885), Impressões da Itália (1888). |
A imigração de
chineses para o Brasil não era bem vista por diversos setores.
Machado de Assis (*) publica uma crônica que retrata a situação:
Em primeiro lugar,
devo lembrar a V. Exa. que é preciso distinguir o chim do chim.
O chim comum está de há muito abandonado em toda Ásia. onde foi
suplantado por uma variedade de chim muito superior à outra.
Essa variedade,
como já tive ocasião de dizer ao governo de Sua Majestade, é o
chim-panzé (...) A primeira vantagem do chimpanzé é que é muito
mais sóbrio que o chim comum. As aves domésticas, geralmente
apreciadas por este (galinhas, patos, gansos etc.) não o são
pelo Outro, que se sustenta de cocos e nozes. O chimpanzé não
usa roupas, calçado ou chapéu. Não vive com os olhos na pátria;
ao contrário, Sir John Sterling e seus parentes afirmam que têm
conseguido fazer com que os chimpanzés mortos sejam comidos
pelos sobreviventes, e a economia resultante deste meio de
sepultura pode subir, numa plantação de dois mil trabalhadores,
a duzentas libras por ano.
Não tendo os
chimpanzés nenhuma espécie de sociedade, nem instituições, não
há em parte alguma embaixadas, ou consulados; o que quer dizer
que não há nenhuma espécie de reclamação diplomática, e pode v.
Exa. calcular o sossego que este fato traz ao trabalho e aos
trabalhadores. Está provado que toda rebelião do chim comum
provém da imagem, que eles têm presente, de um governo nacional,
um imperador e inúmeros mandarins. Por outro lado, a imprensa
não poderá tomar as dores por ele, para não confessar uma
solidariedade de espécie, que ainda repugna a alguns.
E o grande escritor
arremata comentando a pretensa carta, com humor swiftiano:
As pessoas que
preferem os china, não podem deixar de aceitar este substituto.
Segundo a carta transcrita, o chimpanzé, tendo as mesmas
aptidões do outro chim, é muito mais econômico. Por outro lado,
os adversários, os que receiam o abastardamento da raça, não
terão esse argumento, porque o chim-panzé não se cruzará com as
raças do país.
A história de Tong
King Sing termina abruptamente, diz José Roberto Teixeira Leite:
o chinês, após algumas semanas, partiu sem aviso para a
Inglaterra, pegando de surpresa seus anfitriões brasileiros e
deixando em ponto morto as negociações, que nunca mais seriam
retomadas. Teria pesado para a sua misteriosa fuga a oposição,
que percebeu, setores ponderáveis da sociedade brasileira
vetavam à entrada de trabalhadores chineses no país, fosse sob
alegações humanitárias, fosse por motivos de eugenia ou por
outros quaisquer; mas pesou tanto ou mais.
Decerto, a negativa
do governo imperial em subvencionar a empresa do sr. Tong com
100 mil dólares norte-americanos como ao que parece ele exigira.
Seja como for, já em novembro do mesmo ano de 1883 a Companhia
de Comércio e Imigração Chinesa era desativada e se esboroava de
vez a idéia da imigração chinesa em larga escala para o Brasil,
embora ainda em 1893 chegassem ao país 475 coolies.
Quanto a Tong King Sing, ainda continuava figura comentada no
Brasil em janeiro de 1884, quando no Rio de Janeiro Artur
Azevedo e Moreira Sampaio levaram à cena, com grande sucesso, a
revista teatral O Mandarim.
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