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  Assis Chateaubriand visitando a Marambaia em 1927 relata o encontro com os antigos escravos do comendador Joaquim Breves. A partir desse relato, fica estabelecida o mito da "bondade de Joaquim Breves". Um terrível engano dos escravos que recebiam tratamento diferenciado dos outros do extenso plantel dos Breves. A boa comida, a permissão da dança, da pinga e o isolamento permitiam essa conclusão apressada. Escravos que vinham de outras fazendas estranhavam a vida que seus pares levavam no Pontal. Breves, com alguma esperteza e de modo consciente, deixava que esses comentários se espalhassem nas propriedades. Sabia ele como ninguém o objetivo da aquisição do Pontal da Marambaia. Isolada do continente, com uma restinga separando a baía de águas tranquilas do oceano, era um porto magnífico e natural para o tráfico de escravos, que após o desembarque eram tratados e cevados durante uma quarentena, para que estivessem prontos para o eito no cafezal. Suas embarcações à vapor e rodas (Califórnia, Emiliana, Marambaia e Januária) faziam rapidamente o percurso entre a ilha e Mangaratiba com a carga humana, fugindo das marinhas brasileiras e inglesa. Observem o relato de Chateaubriand:  
     
     
     
 
 

Quilombo da Marambaia

 
     
 
 

"Quis a fortuna que eu me encontrasse na Restinga de Marambaia com os antigos escravos do Comendador Joaquim Breves. Falei a vários deles, e de dois pretos recolhi até os nomes: Adriano Júnior e Gustavo Vítor, este filho por sua vez de um antigo escravo de Breves, chamado Vítor, comprado pelo senhor quando adquirira a Fazenda do pontal da restinga da Marambaia. Adriano Júnior residiu na célebre Fazenda de São Joaquim da Grama, donde o senhor o trouxe para vir trabalhar nesta outra fazenda da restinga. Têm para mais de 80 anos. É pai de 12 filhos, todos morando na Marambaia.

 Gustavo Vítor parece mais................. arrastado, como  quem procura compor fragmentos de histórias, que ninguém nunca lhe veio lembrar. Perguntei-lhe que tal era o seu antigo senhor, e ele me retrucou: 

- “Era um véio bão. Quando via nego assentado, despois do serviço, apreguntava se  nego tava triste. E mandava reunir a senzala para dançar o cateretê e o batuque, fazendo tocar o bumba da barriga”. 

Parece que a mesa era farta, nas senzalas dos Breves. Adriano Júnior disse-me que o senhor era o pai da pobreza. Quando vinha de Mangaratiba para Marambaia, a bordo ou do vapor “Marambaia”, ou do “Emiliana”, a senzala se alegrava. Pelas narrativas que ouvi desses dois antigos escravos, acredito haver confirmação para o quanto já ouvira dizer a propósito do destino da fazenda que ali mantinha Breves. Grande proprietário territorial precisando incessantemente de braços, afim de prosseguir na sua atividade dentro dos cafezais que possuía no altiplano e nos engenhos de cana que tinha na planície, Breves como qualquer fazendeiro hoje de São Paulo, carecia de colonos. Naquela época o único colono possível de importar em larga escala era o negro contrabandeado da África - os pobres pretos roubados do outro lado do Atlântico, e  transportados pelo piratas para serem vendidos nas terras do Novo Mundo.

 Gustavo Vítor me disse:

 - “Gente vinha da baía dãngola premero pra aqui. Engordava, e despois ia pra roça, trabaía no cafezá”.

 

Na  Marambaia havia também cafezal, mandioca, milho e os negros velhos com quem falei todos me disseram que nas fraldas dos morros existiam plantações de café, que depois desapareceram. Todavia, ao que se me afigura, o emprego mais importante daquela fazenda, era o de servir de ponto de desembarque de  pretos contrabandeados da África. Os escravos, que saíam dos porões dos navios negreiros, permaneciam algum tempo naquele viveiro. Reconstituíam as  forças perdidas na travessia transatlântica. Cevavam-nos, e uma vez assim retemperados, eram distribuídos pelas fazendas do alto da serra. Logo, o que Breves possuía na Marambaia, era uma estação de engorda do seu pessoal de eito, e isto, explica as ótimas recordações que aqueles velhos escravos guardam do senhor já desaparecido há tantos anos. Deveria comer-se bem na Marambaia, porque o objetivo mais importante daquela fazenda não era produzir café, mas fornecer mão-de-obra forte, robusta, para o trabalho do cafezal."

 
 
 
 

 
  Filhos da Marambaia - Jongo. Foto: CMI.  
 

O resgate das práticas culturais na ilha avança a cada ano. Hoje além do Grupo Cultural Filhos da Marambaia, a comunidade tem um grupo de jongo e um grupo de capoeira. “Neste 20 de novembro o jongo voltou a ser dançado na senzala da Marambaia.” Foi assim que Vânia Guerra, presidente da associação de remanescentes de quilombo apresentou o grupo de jongo que está resgatando esta prática na ilha.

Além da apresentação do grupo de jongo a festa contou com apresentações de capoeira, um grupo de Hip Hop e com o Grupo Cultural Filhos da Marambaia.

A festa foi marcada pela confraternização entre os presentes, a alegria de receber os amigos em casa. Mesmo com todas as tentativas de dificultar a entrada na Ilha os convidados da comunidade estavam presentes e compartilharam da energia ancestral emanada pelo local. Texto de Ana Gualberto (**).

 
     
  Outro relato (*) é o de Dona Inês, que se refere ao Pontal como um bom lugar no tempo dos Breves:  
     
 

[...] Dona Inês, moradora da Praia Suja, conta, referindo-se a essa experiência, que ali "antigamente, com os Breves, era um bom lugar [...] os escravos que vinham de outras fazendas ficavam impressionados porque aqui tinha roupa para festa e dança nas senzalas, muita dança". [...] Domitila, por sua vez, teria se casado mais tarde com o "velho Gustavo", bisavô de d. Zenilda, (atual moradora da Armação) e lembrado como "jongueiro forte" da Ilha, dono de um enorme tambor feito diretamente de um tronco de árvore que, apesar disso, ele carregava para todo lado da Ilha, sempre que era convidado para realizar ou participar de uma roda. [...] Completando a referência às festas e outros eventos religiosos realizados na Ilha, aos quais os nomes de Olympio, do velho Gustavo e de Sophia remeteram, pudemos recuperar que elas organizavam a Ilha como um calendário. Cada praia cultuava seu próprio Santo, a quem o seu festeiro (também um por praia) dedicava uma festa no seu dia santo, criando um circuito que, ao lodo do jongo eventual e das ladainhas periódicas, preenchia todo o ano. [...] Essas festas foram desaparecendo ao longo do tempo sem os motivos disso sejam muito claros. O jongo, por exemplo, chegou a ser apresentado a Levy Miranda, que queria conhecê-lo, em 1942, mas depois disso foi enfraquecendo e ninguém substituiu o velho Gustavo.

 
  Dionato Eugênio - Naná da comunidade de Marambaia. Presidente da Associação.  
   
  Vânia Guerra Dona Ignez Rosa  
     
 

FONTES E REFERÊNCIAS:

ARRUTI, José Maurício. Relatório Técnico-Científico sobre a Comunidade Remanescente de Quilombos da Ilha da Marambaia. Percurso histórico dos ilhéus da Marambaia (1856-2003). Capítulo 3. KOINONIA. PROJETO EGBÉ – TERRITÓRIOS NEGROS. 2003. (*)

CHATEAUBRIAND, Assis. Um viveiro morto da mão-de-obra negra para o cafezal. Impressões vividas de uma visita à fazenda do comendador Joaquim Jose de Souza Breves no pontal da Marambaia. Artigo publicado em "O Jornal". Acervo da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro. 15/10/1927.

Foto e vídeo.

Ana Gualberto. Dia da Consciência Negra. 23/11/2007 - publicado em KOINONIA (**) <http://www.koinonia.org.br/comunicacao-noticias-detalhes.asp?cod=1142>

Foto: CMI - Qui, 08 de Abril de 2010 17:36 - Incra defende no TCU a titulação da comunidade quilombola da Ilha de Marambaia (RJ) - INCRA - Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Foto: Clemente Breves. Marambaia.

 
 
     
 

 
 

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