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Igreja
da Fazenda da Grama - Rio Claro, RJ.
Passa-Três,
Janeiro de 1876.
Em "Guanabara la
Superbe", notável obra da Embaixatriz
Louise Hermite, ocorre outro relato,
interessante depoimento sobre as
propriedades e estilo de vida dos Souza
Breves. O pai da autora, Maurice
Ternaux-Compans, diplomata francês
servindo na legação do Rio de Janeiro em
1876, resolveu conhecer algumas das
grandes fazendas cafeeiras fluminenses, e
assim realizou um excursão da qual faz
pitoresco relato em cartas dirigidas a sua
irmã, Madame de Fournier-Sarvolèze. Esta
cartas, mais tarde, foram divulgadas e
transformadas em livro pela filha do
embaixador.
Maurice e seus
companheiros de viagem visitaram a Fazenda
do Pinheiro de propriedade do Comendador
José de Souza Breves e, posteriormente
foram a Fazenda da Grama do Comendador
Joaquim de Souza Breves.
Fazenda da
Grama - Rio Claro, RJ.
Da fazenda do
Comendador Rocha Leão, foram Ternaux e
seus companheiros de jornada à Fazenda do
Pinheiro. A este propósito informa o
diplomata:
"A família dos
Breves é dona em conjunto do "pequeno
número"de mais de doze mil escravos
apenas! O dono do Pinheiro só por si
possui 4 mil. Apesar de bem idoso está
sempre viajando. Em sua ausência fomos
recebidos por seu administrador. Em sua
casa goza-se da maior liberdade; chega-se
e parte-se quando se quer, sem ser preciso
avisar a quem quer que seja. Também lhe
chamam a fazenda de "hospedaria". Bem
maior do que a precedente que visitáramos,
fica situada num declive pequeno, que
domina o Paraíba.
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Maurice-Nicolas-Dominique
Ternaux-Compans (20 janvier 1846,
Paris - 27 mai 1930, Paris), est un
diplomate et homme politique français.
<http://fr.wikipedia.org/wiki/Maurice_Ternaux-Compans> |
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Dela goza-se de
vista relativamente extensa, o que é raro
na Província do Rio de Janeiro. Lá
encontramos o Conde d'Ursel, diplomata
belga, Cantagalli, da legação da Itália e
o Sr. Gauph da legação da Inglaterra. Ali
estavam instalados a caçar desde alguns
dias. À noite ouvimos uma orquestra de
quatorze negros entre os quais havia
alguns que me pareceram muito bons
musicistas."
Pelo relato de
Armando de Moraes Breves, em sua obra "O
reino da Marambaia", excelente crônica do
cotidiano dos Breves, encontramos também a
referência sobre os escravos músicos do
Pinheiro. Diz o autor: "... os negros da
Fazenda do Pinheiro tinha escola e
aprendiam ofícios, gabando-se de sua banda
de música onde tocavam o maestro Bráz, o
Bruno, o Benevenuto, o Izaías, o Benedito
Praxedes. Todos queriam morrer no
Pinheiro, onde o velho Comendador deu-lhes
a liberdade, e em seu testamento não se
esqueceu de um só. Em verdade José Breves
não se esqueceu nem de seus prêtos, por
quem nutria um carinho muito especial, nem
da pobreza. Antes de morrer, gostava de
visitar as crianças que nasciam nas
senzalas de sua fazenda, filhos de seus
numerosos escravos. Como não tinha filhos,
tinha por elas grande carinho, tratando-as
como a um pai."
Mas voltando à
carta de Ternaux-Compans, que pôde avaliar
"in loco", toda a benevolência de José
Breves. Deixando o Pinheiro, o diplomata
francês segue viagem em direção à Grama,
em São João do Príncipe, Passa-Três,
fazenda do irmão de José Breves - o "creso
marcense", Comendador Joaquim José de
Souza Breves. Segue então o seu relato:
"No dia seguinte
partimos para a Grama. Lá nos caberia o
ensejo de encontrar os proprietários e
deles receber o mais amável acolhimento.
Depois de três horas em lombo de besta,
chegamos à sede da fazenda. E isto sem
termos saído das terras dos nossos
hospedeiros. O chefe da família, Coronel
Joaquim José de Souza Breves não sabe uma
só palavra de francês. Como meu português
ainda não seja suficientemente
compreensível, chamou suas filhas e netas
que vieram acompanhadas da Sra. Breves,
personalidade superior que a natureza fez
crescer grande fidalga. Considerável
séquito trazia a fazendeira: "professora
alemã" e, uma série de primas pobres,
legítimas e naturais, e outras pessoas
seguidas ainda de um batalhão de negrinhos
e negrinhas.
Como as moças da
família falassem corretamente o francês,
puzemo-nos imediatamente a tagarelar como
velhos conhecidos. Era o Comendador
Joaquim Breves tio de pessoas conhecidas
da irmã do diplomata, como Luiz de Lima e
Silva, filho do Conde de Tocantins,
diplomata brasileiro que se casara com uma
senhora russa, Vera de Haritoff, irmã de
Mme. Magnan e de Mme. de Rousselière. Era
também tio da Sra. Maurício de Haritoff (irma
de Dona Vera), de seu nome de solteira
Anna Clara de Morais Costa Breves, cuja
casa foi durante longos anos o mais
afamado centro de reuniões do "grand
monde"carioca.
Relata o viajante
francês curiosa história: uma das filhas
do potentato do café, Dona Rita, casara-se
com um fidalgo italiano, o Conde Fé d'Ostiani
que viera falecer na Europa, deixando uma
única filha - Dona Paulina. Fôra o Conde
durante algum tempo Ministro da Itália no
Japão, e ao perder a esposa quis obrigar a
moça a acompanhá-lo em sua carreira pelas
legações. O fim a que visava, afirma o
diplomata francês, era pouco louvável:
obter dinheiro dos avós da menina. Mas Fé
d'Ostiani, não contava com a enérgica
decisão de sua sogra, Dona Maria Izabel
Morais de Souza Breves, esposa do "rei do
café", a quem Ternaux-Compans chama de "la
douairière" inadequadamente, pois ela era
casada e não viúva. Mulher de rara fibra,
fez com seus escravos de confiança
raptassem a menina, levando-a do Rio de
Janeiro à Fazenda da Grama. Entretanto,
queixou-se o desapontado pai ao governo
Imperial, que intimou os avós de Dona
Paulina a entregá-la ao Conde.
Determinou-se diligência policial ante a
recusa do Comendador Breves a entregar a
neta. Mas relata Ternaux, que quando os
soldados de Sua Majestade Imperial se
apresentaram para executar as ordens
recebidas, Joaquim Breves e seu batalhão
de escravos colocaram os homens do
Imperador para correr, recuando
prudentemente.
Estes e alguns
outros casos demonstra quão grande era o
poder destes fazendeiros, que como os "daimios",
consideravam-se libertos de qualquer
constrangimento em relação ao governo e às
leis estabelecidas. E assim ficara Dona
Paulina em poder dos avós. Mais tarde
desposaria um fidalgo francês, o Conde de
Montholon, neto do fidelíssimo amigo de
Napoleão I, um dos mais dedicados
servidores do "Homem dos Séculos", a quem
acompanhou sempre na desdita de Santa
Helena.
Muito apreciou
Ternaux-Compans o convívio com "cocota
Breves", Dona Maria Izabel de Morais
Costa, encantadora menina de dezesseis
anos e muito boa musicista. Infelizmente
apreciava demasiado a música de
exportação, considerando Offenbach como um
clássico. Para distração nossa os
fazendeiros fizeram com que os prêtos
dançassem durante à noite "lundus e
cateretês". A seus gritos mais selvagens
que harmoniosos, acompanhavam o tambor e a
guitarra, mas as melodias, pelo menos as
que ouvi, pareceram-me canções ciganas e
cantos árabes, de tão poéticas em sua
monotonia.
Na Grama teve
Ternaux a impressão de que os escravos
eram mais livres do que nas outras
fazendas que percorrera. Moravam num
arraial de casas de barros, que se
espraiava por baixo de uma espécie de
vila, à frente da italiana residência de
seus senhores. Moravam aproximadamente
2.000 pessoas, entre escravos, empregados
e a família, nas imediações da casa grande
da fazenda. Deste conjunto, fez o
diplomata francês um esboço à óleo. As
portas dos aposentos da casa grande
estavam sempre abertas. Assim viam-se
rastejando por baixo de todos os móveis,
negrinhos que lá se metiam como se fossem
galinhas. Eram tolerados, porque os
senhores deles se valiam para evitarem o
mais possível mover-se.
Apreciou o
embaixador da França verificar o prestígio
do Comendador Joaquim Breves perante os
seus, e o carinho e a deferência com que o
tratavam. Quando chegava para almoçar,
filhos e netos corriam apressurados e ao
mesmo tempo, para beijar-lhe a mão. Era um
homem de setenta anos, de porte muito
alto, de rosto enérgico, a que animava um
olhar misto de dureza e benevolência. |
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