O dono do Pinheiro e Bracuhy

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  Fazenda do Pinheiro - São João Baptista do Arrozal, em 1860
por Augusto Emilio Zaluar
 

Augusto Emilio Zaluar (1826-1882). Escritor, poeta e jornalista. Nascido em Lisboa, emigrou para o Brasil em 1850 e naturalizou-se cidadão brasileiro em 1856.

Autor de Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861)

Augusto Emílio Zaluar
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Iconografia. Autor: burril de Fernand Delannoy.
 

Fazenda do Pinheiro

 

Setembro, 1859.

Rumando para Piraí, naquele tempo centro de enorme e riquíssima cafeicultura, caminhou Zaluar quatro léguas, costeando a margem direita do Paraíba e sob terrível sol, atingiu a enorme fazenda do Pinheiro de propriedade do Comendador José Joaquim de Souza Breves, que desde os primeiros momentos lhe causou prodigiosa impressão. Era aliás, uma das mais notáveis propriedades do Império, celebrada em todo o Brasil pela opulência da casa, o vulto das benfeitorias, a extensão enorme dos cafezais e pelo apreciável número de escravos.
No município de Piraí, cuja média de produção anual se computava em quinhentos e vinte mil arrobas, quase vinte por cento desta grande safra pertencia ao Comendador José Breves, cujas lavouras forneciam noventa mil arrobas, além das dez mil que colhia em sua fazenda de Barra Mansa. Apenas um outro fazendeiro o sobrepujava: seu irmão, o grande produtor de café de todo o Império, também comendador - Joaquim José de Souza Breves, pois além de colher noventa mil arrobas no Piraí, ainda contava com cem mil arrobas, nas suas fazendas no município de São João do Príncipe, nas freguesias de São João Marcos e do Passa Três, sobretudo na famosa propriedade de São Joaquim da Grama. Joaquim Breves também possuía propriedades em Rezende, na freguesia de São Vicente Ferrer, e em Barra Mansa na freguesia de São Sebastião. O total de suas safras atingiu em 1860, cerca de 380.000 arrobas de café, cifra imensa em nossos dias e absolutamente prodigiosa naquela época.

Descrevendo a casa grande da Fazenda do Pinheiro, hoje sede principal do Posto Zootécnico Federal do mesmo nome, extasia-se o viajante português Zaluar:

" A casa do Sr. Comendador José de Souza Breves, na sua fazenda do Pinheiro, não é uma habitação vulgar da roça; é um palácio elegante, e seria mesmo um suntuoso edifício em qualquer grande cidade. Situada sobre uma eminência, domina o vasto anfiteatro de montanhas que a circundam, e revê-se por assim dizer nas águas do orgulhoso Paraíba, que, poucas braças em frente, murmura seguindo o impulso de sua rápida correnteza. Duas pontes que se encontram sobre uma ilha no meio do rio, dão passagem mesmo em face da casa do Sr. Comendador Breves, de uma para outra margem. O aspecto que esta vista apresenta é realmente pitoresco e faz um efeito admirável a quem contempla com olhos de artista.

Um delicioso jardim se desdobra com um tapete de flores pelo pendor da colina sobre que está assentada esta suntuosa habitação, e dá-lhe um novo realce. Duas escadas laterais de mármore levam a uma espaçosa varanda, para onde deita a porta do salão de espera, que é uma vasta quadra cujas paredes estão adornadas pelos primorosos retratos de Sua Majestade o Imperador e Sua Majestade a Imperatriz, devidos ao hábil pincel de Cromoelston. Seis ou oito magníficas gravuras representando as cópias de diferentes quadros de Horácio Vernet, completam a decoração artística desta elegante sala, correspondendo a mobília e os ornatos ao bom gosto que por toda parte reina. A sala nobre é uma peça soberba. Grandes espelhos de Veneza, ricos candelabros de prata, lustres de cristal, mobília, tudo disputa a primazia ao que deste gênero se vê de mais ostentoso na própria capital do Império. Enfim, todas as outras salas, o edifício inteiro está em harmonia com o luxo, profusão e riqueza do que acabo de descrever.

Porém, o que mais me surpreende e merece a minha particular atenção, são os magníficos caminhos de rodagem que em todas as direções cortam esta fazenda. O Sr. Comendador José Breves compreende o que felizmente já vai acontecendo a também a muitos dos nossos fazendeiros, que as boas vias de comunicações são um dos meios mais eficazes de suprir com vantagens os braços que tanto escasseiam.

O caminho aberto uma vez, compensa em pouco tempo o gasto da construção e poupa o desperdício de muita força produtiva. Um carro puxado por alguns bois, transporta a carga que dificilmente seria carregada por cinquenta ou sessenta escravos. 

Por aqui se pode já calcular quanto lucra o fazendeiro que manda abrir bons caminhos em seus terrenos, e aumenta por consequência no cultivo de suas plantações o número de braços que retirou do transporte dos produtos. O mesmo acontecerá quando estiverem convenientemente construídos os grandes troncos de estradas e abertos os caminhos vicinais, acabando o fazendeiro com as tropas, em que, além da prodigiosa despesa que estas fazem, estão empregados os melhores serviços de sua escravatura de um modo tão prejudicial para seus próprios interesses.

Os fazendeiros como o Sr. Comendador José Breves são os que dão o exemplo que deveria partir nestes assuntos das altas regiões administrativas. Apenas deixamos o caminho de uma destas fazendas, um atoleiro, uma ponte desmoronada, uma estiva rota, nos vem advertir que entramos na estrada "pública", subvencionada pela nação e fiscalizada pelo governo provincial! O contraste é realmente vergonhoso, e não deixaremos de chamar constantemente para este assunto a atenção do digno atual presidente da província, quanto mais que temos toda a confiança no seu zelo e na boa vontade que o anima em favor dos melhoramentos que tão altamente reclamam os interesses da lavoura.

Estamos cada vez mais convencidos que o futuro dos agricultores, e por consequência o do país, depende absolutamente do tino da administração e da estabilidade de um governo que possa identificar-se praticamente com o estudo de seus recursos e de suas necessidades. A propriedade do Sr. Comendador José de Souza Breves é pois, como já disse, uma das maiores e das mais ricas da Província do Rio de Janeiro. A grande extensão dos terrenos e a fertilidade deles, as vastíssimas plantações de café que cobrem um largo espaço de elevados morros, o número prodigioso de cativos consagrados aos trabalhos agrícolas, os grandes auxiliares de que dispõe o proprietário, já como abastado capitalista, já como homem de bom senso e praticamente conhecedor da nossa lavoura, conferem a este estabelecimento as honras de primeira grandeza.

Uma descrição exata e minuciosa de tudo o que há para admirar nesta fazenda, precisaria de uma série de artigos, para ser justo com tamanha grandeza. Era o Comendador José Breves, homem de grande cultura, adiantado e de largas vistas, explicando assim a excelente administração de sua fazenda. Deixando o Pinheiro onde pernoitara, ainda consagra Zaluar em suas "Cartas do Interior", uma tantas linhas de arroubado entusiasmo ao grande estabelecimento agrícola do Comendador José Joaquim de Souza Breves, aliás, ausente naquela ocasião, declarando Zaluar ter sentido muito, e que só mais tarde na Corte obtivera o prazer de conhecê-lo.

   
   
  Ref.: ZALUAR, Augusto Emilio. Peregrinações pelas províncias de São Paulo e Rio de Janeiro (1860-1861). Ed. Itatiaia, SP. 1975.
 
     
 

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